cotidiano

Teve uma época na minha vida em que culpa era basicamente tudo o que eu sentia. Ela tava lá quando eu acordava e quando eu ia dormir. Quando eu escolhia comer mais um pedaço de bolo ou deixar pra colocar a comida do cachorro mais tarde do que o normal.

Culpa. Culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa culpa.

DIário #55 - Tira os óculos da culpaFoto: Cassio Crow Fotografia

Era tipo uma sombra, ela sempre estava lá. Eu me sentia culpada porque estava triste, mas, na teoria, eu tinha tudo. Casa, comida e roupa lavada. A minha família, entre trancos e barrancos, estava ali comigo, e eu nunca soube o que é passar fome de verdade.

Mas eu me sentia culpada. A culpa estava lá mesmo quando ela não tinha que estar. Quando outra pessoa topava em mim na rua, quando eu trocava as palavras na hora de falar com alguém, até quando eu tava atolada de trabalho e tinha que dizer ‘não’ pra aquela tarefa extra que insistiam pra eu fazer.

Sabe, essa culpa… Ela não aparece só nos momentos mais difíceis, quando a gente tá passando por uma fase complicada ou tendo que lidar com uma doença como a depressão. Ela tá o tempo inteiro com a gente, a gente só não percebe.

Uma coisa que eu aprendi – e entendi – recentemente, é que tem um lugar da gente que sempre acha que a gente tá errada. De uma maneira ou outra, nós sempre precisamos ser punidas porque, afinal, é claro que a gente fez alguma coisa que não deveria.

Tem horas que é muito fácil achar que a culpa é do outro, que o outro que está errado, mas a real é que quem sente culpa é sempre a gente mesma. Não tem como você levar uma vida humana e não sentir culpa.

E ela pesa, viu? Ô, se pesa. Parece metade de um muro de concreto nas costas e causa aquelas linhas incômodas no meio da testa, de tanto que ela fica franzida. Ela deixa os olhos cansados e a voz mais baixa. Faz a gente chorar sem motivo. Mas isso é só fachada. A gente chora porque sente culpa mesmo.

Culpa de tudo. De não entregar o trabalho no prazo. De não querer sair com a galera na sexta à noite. De usar o salto que a sua mãe insistiu, mas que você odeia. Culpa de estar triste quando deveria estar feliz e de estar feliz quando deveria estar triste.

A gente sente tanta culpa que até quando a gente tá bem fica culpada quando encontra alguém que não tá tão bem quanto a gente. E aí a gente encontra motivos pra reclamar da vida. E se sente mais culpada ainda. Daí é uma culpa da culpa.

É um ciclo sem fim, já diria O Rei Leão.

Toda vez que a gente fica afogada nessa culpa, perde a chance de se relacionar de verdade com alguém. Por que esse sentimento ruim é quase como um sentimento de base nosso e filtra tudo o que a gente vê. Entende? É tipo uma de pesca. A culpa funciona como uns óculos que você usa pra procurar por mais culpa pra sentir na vida. Aí você vai caçando esses peixes de culpa e acrescentando no seu repertório.

A gente tem que parar de caçar. Se pararmos pra imaginar um mundo sem culpa, tenho certeza que 99% dos conflitos desapareceriam, porque, na verdade, tudo o que a gente quer é arrumar um conflito mesmo, uma briga. Vai dizer que você nunca saiu por aí procurando alguém pra discutir? Eu já. E, ó, garanto que não me senti melhor depois. Pelo contrário, me senti mais culpada ainda.

Tira esses óculos do rosto, menina. Eles tão te cegando. O outro não tem culpa de nada. E você também não. Para de achar que você tá sempre errando e que tem ser punida. Não se ataca, não. Porque o resultado é esse: você sente culpa e se ataca porque acha que merece.

A vida longe da culpa é maravilhosa. E você merece viver tudo o que ela tem para oferecer.

Entendeu?

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Escrito pelaMaki
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4 Comentários
  1. hELLEN  em junho 23, 2016

    só tenho uma coisa pra dizer… esses diários tem muito amor envolvido

    • Maki  em junho 24, 2016

      Oi, Hellen!
      Olha… tem mesmo viu? Muito amor mesmo ♥

  2. Gabriela  em junho 09, 2016

    Nossa, Maki, você descreveu perfeitamente como eram os meus dias durante uma fase bem nebulosa da minha vida. Felizmente, hoje posso me considerar livre da depressão (embora ela ameace fazer uma visitinha de vez em quando, essa danada). Me desfazer dos grilhões da culpa foi uma luta árdua e um trabalho constante, mas que mudou a vida completamente e me deixou feliz de um jeito que eu nem julgava mais ser possível Muito obrigada por escrever este texto e compartilhar um pouco da sua história conosco.

    Um grande beijo.

    Gabriela
    http://www.sinhamocha.com

    • Maki  em junho 10, 2016

      Oi, Gabriela!
      Que bom saber que você consegue viver a vida mais leve! É pra isso que ela serve mesmo sabe?
      Obrigada <3