eu sempre fui do tipo que esperava a meia-noite do dia 31 de dezembro com uma certa expectativa. era um recomeço, uma nova chance, uma folha em branco. mais uma oportunidade pra eu fazer diferente, pra tentar de novo, pra dessa vez fazer dar certo. às vezes funcionava. outras não.
mas acho que de todos os Anos Novos que eu já tive, o mais louco com certeza foi o de 2014. esse ano eu comecei em um aeroporto. sozinha. num país que eu não conhecia.
nessa época eu estava morando na França, em uma viagem que eu já contei pra vocês que foi cheia de contradições. eu amei e odiei ao mesmo tempo. eu queria ficar por lá e voltar pra casa. eu queria chorar o mesmo tanto que queria sorrir. perto da virada do ano, as coisas já não estavam lá aquelas maravilhas e eu decidi pegar o voo pra Londres, pra passar o Reveillón com duas amigas, no próprio dia 31 – era mais barato e o transporte na cidade daria conta de me levar até onde eu precisava ir à tempo.
as circunstâncias não foram tão amigáveis assim, e enquanto eu acertava a minha viagem, as minhas amigas decidiram aproveitar a virada vendo os fogos de artifício e numa festa que custava metade do orçamento que eu tinha pros 5 dias que ficaria lá. a gente tentou ver alternativas. eu pegaria um táxi até a balada (e gastaria meu dinheiro todo pra semana). eu iria até o prédio onde a gente tava hospedada e esperaria na portaria até elas voltarem. eu tentaria encontrar com elas no meio da galera durante os fogos. tudo porque, supostamente, não tinha transporte rápido o suficiente para me levar de Heathrow até o centro da cidade antes delas começarem as comemorações.
ainda hoje eu sinto o coração revirar lembrando de receber essa notícia e perceber que, no fim das contas, eu teria que me virar nos 30 e descobrir sozinha o que fazer. eu passei a noite em claro chorando. liguei pra minha mãe (que não atendeu), passei a madrugada falando com um amigo que muito carinhosamente fez o que pode pra me mostrar alternativas. eu senti raiva. muita raiva. eu quis desistir de tudo e voltar pro Brasil.
até que eu decidi… que não ia perder a chance de conhecer Londres só porque as pessoas pareciam não fazer questão da minha companhia (e aí a gente ouve os violinos da vitimização tocando ao fundo, uma sinfonia que me acompanhava 24 horas por dia naquela época). as opções então eram: ou passar o Ano Novo no aeroporto ou no frio de Londres. acho que você já imagina o que eu escolhi, né?
optei pelo aeroporto. fiz as malas. fiz as pazes comigo mesma. sequei as lágrimas e engoli o medo. cheguei com 20 minutos de antecedência porque o piloto também tava com pressa. perguntei. dava pra chegar no centro em uma hora, às 20h. falaram pra eu ‘decidir o que era melhor pra mim‘ (e eu nunca odiei tanto uma frase em toda a minha vida). decidi. ‘vou ficar aqui, encontro vocês às 06h na estação‘.
subi para o lounge e encontrei ali tantas outras pessoas que também esperavam. por voos. pelo transporte. por começar o ano do outro lado do mundo. sentei. abri meu livro e esperei.
meia-noite chegou e eu olhei ao redor esperando algum anuncio, uma música, um mínimo reconhecimento de que alguém sabia a importância daquele momento também. ali do outro lado tinha uma moça fazendo a mesma coisa que eu, com uma garrafinha de Chandon na mão, comprada no mercadinho do terminal, e duas mini-taças. ela me olha com expectativa. eu vou até lá e a gente brinda.
acredite se quiser, essa foi uma das viradas de ano mais incríveis que eu já tive. eu conheci uma britânica que ia trabalhar como professora de inglês no Oriente Médio, mas antes ia passar uns dias com o ex-namorado no México. uma australiana que estava indo para a França encontrar as amigas. um grego que até hoje não descobri pra onde tava indo, mas tava lá fazendo volume na nossa festinha improvisada com Chandon de loja de conveniência e salgadinhos baratos.
a gente falou um monte de besteira e atrapalhou as outras pessoas que queriam algumas horas de sono antes do próximo voo. a gente fez piadas idiotas e brincou que os funcionários tavam armando uma festa clandestina nos bastidores do aeroportou ou num avião estacionado.
mas acho que o principal foi que a gente se fez companhia e topou ficar junto quanto todo mundo se sentia meio sozinho e longe de casa.
a minha memória pode mentir (já aconteceu), mas o que eu lembro de ter deixado o coração quentinho foi isso. a gente acha que tá sozinho mundo, que ninguém tá disposto a olhar duas vezes pra gente, mas talvez a gente mesma não esteja assim tão disposta olhar a em volta e ver que tem, sim, alguém ali do lado esperando pra fazer um brinde de Ano Novo e torcendo pra você engajar numa conversa divertida até a hora de embarcar ou de pegar o trem pra cidade.
e isso, minha amiga, é magia. isso é mágica. a gente sair da nossa cabeça e se abrir pra ter uma experiência boa independente das circunstâncias. confesso que a minha visita à Londres ainda me deixa meio de estômago virado e eu não lembro da cidade com toda a alegria do mundo. mas aquelas horas que eu passei no aeroporto foram preciosas. porque eu não me senti sozinha. eu me dispus a conhecer pessoas novas, a confiar em alguém o suficiente pra chorar e dizer que tava com saudade de casa enquanto a gente comia salgadinho de sal marinho – e ouvir conforto em línguas diferentes, e fazer o mesmo pelos outros.
hoje, eu fico pensando por onde andam essas pessoas e se elas também lembram desse Ano Novo com tanta gratidão quanto eu. no dia seguinte, eu já tava triste de novo, já tava com raiva de novo, mas por algumas poucas horas, entre 31 de dezembro 2013 e 1º de janeiro de 2014, eu me permiti viver outra coisa e criar uma bolha de empatia e good vibes bem no meio do saguão do aeroporto.
se isso não é mágica, pelo menos eu gosto de acreditar que foi um primeiro momento em que eu percebi, de verdade, que já não estava bem, mas que a alegria da qual eu sentia tanta falta ainda estava ali, esperando pra vir à tona. um ano depois disso, eu chorei mais um tanto no meio do caminho, mas aquelas pessoas e aqueles momentos me acompanharam em cada dia de 2014, até a hora que eu decidi que precisava mudar, tirar a tristeza de campo e fazer diferente do que eu tava acostumada todos os dias e não só por algumas horas na virada do ano.
todo o meu amor pra moça do Chandon, pro grego perdido e pra australiana comediante que me fizeram companhia no chão frio de um aeroporto, que, apesar de tudo, me deixou com o coração alegre e me mostrou um fiapo de esperança que eu agarrei com todas as forças.
este post faz parte do projeto detalhes, uma blogagem criativa criada por desancorando + sernaiotto +serendipity – saiba mais sobre o projeto clicando aqui e confira os posts já publicados aqui.
Warning: Undefined property: stdClass::$comments in /home1/desan476/public_html/wp-content/themes/plicplac/functions.php on line 219
20 Comentários
ahhhhh, teus textos são maravilhosos – e cara, transbordam só energias do bem! tô amando aprender as ferramentas, e é incrível ler teus textos e usar tuas inspirações.
tô tentando montar meu bullet journal (com um misto de perfeccionismo + muiiiitos TOCs) e estou super feliz com o projeto. parabéns por espalhar amor num mundão que tá precisando tanto de gente do bem.
ps.: obrigada também por me apresentar à textos maravilhosamente bem escritos e sem usar letras maiúsculas. lindo. ❤️
Ana, você é muito fofa! brigada por esse comentário incrível. vamos levar amor pro mundo mesmo ♥
Caramba, que história incrível. Sabe, qualquer outra pessoa poderia ter odiado. Eu acho que a gente amadurece e descobre o verdadeiro sentido das coisas quando decide (e isso é uma decisão, mágica, mas é uma decisão) que a gente pode tirar proveito de toda situação. Não importa o quão esquisita, ruim, bizarra, tem sempre algo que a gente aprende com ela. Que a gente aproveita. Os murros que a gente dá nas paredes da vida nada mais são do que lições necessárias. Eu tô bem feliz de você ter se encontrado naquele aeroporto. <3
nossa, sim. foi um momento muito importante mesmo, porque acho que foi a primeira vez que eu percebi MESMO que tinha alguma coisa errada e que tudo o que eu tava sentindo não é normal, sabe? foi muito importante pra tudo o que aconteceu depois e eu acabar estar onde estou hoje.sou feliz demais por causa disso ♥
Maki, que lindo!
Você é uma inspiração pra mim, saiba disso.
E você não está sozinha, nunca esteve. Nós sempre precisamos dar o primeiro passo, não é? Imagine se você não tivesse ido em direção à moça do Chandon?
Feliz 2018!!!
nossa, nem brinca. o que aconteceu foi perfeito em cada detalhe ♥
Maki, passando aqui só pra te desejar um 2018 maravilhoso, com muitos posts incríveis e de muita luz e aprendizados!!!! 🙂 Não tenho comentado com frequência por aqui, mas saiba que te leio todos os dias!!!! 🙂 saio daqui do blog refletindo sempre!!!
Beijocassss!!!! Erika/SP
Erika, você é tão fofa! brigada pelas suas mensagens ♥ um ano incrível pra você também!
Que bacana vc ter compartilhado sua história. Quando tudo parece estar perdido e a magia toma conta e nos mostra que tudo depende do ângulo e do quanto nos permitimos viver as oportunidades, as vezes bem diferente do que nos programamos ou almejamos, mas experiências e boas experiências.
não é, Josy? eu também acho ♥
CARACA MAKI! Nunca imaginei que você pudesse ter vivido uma cena de filme assim na vida real. Sério, acompanhei o post roendo as unhas e tão nervosa com o que ia acontecer em seguida, que você nem imagina! Minha mente imaginária é claro, que idealizou tudo o que você foi escrevendo com uma boa trilha sonora. Fico feliz que no fim de tudo você tenha conseguido ter uma virada de ano bacana ao lado de pessoas desconhecidas com chandon e tenha se divertido e tirado disso uma boa lembrança.
Vou me lembrar de quando eu me sentir sozinha olhar mais de duas vezes para os lados ok ?
Clarinha, faça isso! você pode se surpreender ♥
Uma história linda, fiquei imaginando cada pedacinho dela. Deve ter sido um dia maravilhoso. Tenho certeza que eles lembram de vc.
sabe que eu também acho? no mínimo, a gente lembra um dos outros e dessa história inusitada, né? mesmo que os rostos já não estejam assim tão nítidos na memória hahaha
Maki, isso podia virar um filme! daqueles que fazem a gente rir, chorar e pensar na vida. Com certeza se tornaria meu filme preferido de final de ano, hahahahah
Espero que sua virada de 2017 seja repleta de coisas boas, de good vibes e de pessoas queridas. Que seu ano de 2018 seja incrível e saiba que sou muito, muito grata por ter conhecido seu blog esse ano e por sentir que, de alguma maneira, existe alguém com os mesmos pensamentos que eu nesse mundão afora.
Beijos!!
MENINA EU IA AMAR MUITO ESSE FILME *escrevendo o roteiro agora*
já posso garantir que a virada de ano foi incrível e eu espero que o seu ano também seja maravilhoso! brigada por acompanhar as minhas palavras e por permitir que elas melhores os seus dias ♥
Lindo texto! Eu acho incrível como às vezes nos sentimos mal por alguma coisa, e o conforto aparece de quem a gente menos espera. É bem chato passar uma data especial sozinho ou triste – já tive um aniversário assim. Mas é maravilhoso quando aparece alguém para nos surpreender e deixar o dia melhor. Realmente, parece mágica haha
É a 1ª vez que comento mas já li alguns dos seus posts, você escreve muito bem (daria uma ótima autora de livros!) e seu blog é bem bacana. Gostei muito!
Abraços, e um feliz 2018 para você!
Karina, você é muito fofa! brigada mesmo por esse comentário! e, sim, é incrível quando a gente se permite ser surpreendida assim, né? tudo parece meio encantado mesmo hahaha
um ano incrível pra você ♥
meu Odin, mas que coragem, mulher! Só de ler já entro em desespero, você foi muito corajosa mesmo. Esses seus posts me tocam profundamente pois me identifico muito com as coisas que você passa e escreve por aqui. Acho que eu no seu lugar teria ficado no Hotel chorando.
Iza, entendo essa vontade, viu? mas a alternativa foi bem melhor, confesso (até porque eu não tinha nem hotel pra ficar hahahaha)