rotinas com afeto

cometi o erro gravíssimo de pensar no filme A 5 passos de você umas semanas atrás. o pior de tudo nem foi isso: eu insisti no erro e decidi rever o filme (tem no Amazon Prime) no último fim de semana com a desculpa de que era “pesquisa” pra esse post – cuja ideia me perseguiu incansavelmente desde aquele primeiro pensamento.

pra quem teve a felicidade de nunca ter visto ou ouvido falar sobre o filme, um breve contexto: ele conta a história de dois adolescentes que sofrem de fibrose cística, um deles ainda contaminado com uma bactéria que piora a sua condição, e, por motivos que literalmente são de vida ou morte, precisam manter distância um do outro. mas como todo bom livro jovem-adulto adaptado pro cinema, os dois de apaixonam, e bem… coisas acontecem.

a questão é que rever o filme completo me atentou para duas realidades já brutas demais e que a gente prefere esquecer de vez em quando pelo bem da nossa sanidade mental:

  1. estamos vivendo o impensável, que é a pior fase de uma pandemia (quem diria que a gente viveria isso um dia? eu que não) em que o distanciamento social não só é essencial como fortemente recomendado (pelo menos, por quem tem algum nível de bom senso) pra evitar que a situação deteriore ainda mais.
  2. eu não lembro quando foi a última vez que abracei alguém de verdade.

bom, já podemos dar as mãos (metaforicamente) e chorarmos juntos porque as lágrimas já começaram a escorrer por aqui. a questão não é a necessidade de distanciamento, nem mesmo o cuidado por conta da situação que a gente vive agora, pelo contrário, eu sei da necessidade disso tudo e respeito com paz no coração as recomendações médicas e governamentais (que são sérias) sobre o assunto. a questão é o que a personagem principal, a Stella, fala logo no começo – e depois repete no final – do filme:

toque humano. nossa primeira forma de comunicação. segurança, conforto, tudo na gentil carícia de um dedo. ou no roçar de lábios em uma macia bochecha. nos conecta quando estamos felizes, nos aconchega em momentos de medo, nos excita em tempos de paixão e amor. nós precisamos do toque daqueles que amamos quase tanto quanto ar para respirar”

e eu fiquei pensando sobre isso, sabe? eu sempre me considerei uma pessoa carinhosa. sempre amei o toque e encontrei motivos variados pra encostar nas pessoas (com o devido respeito, claro). mas com aqueles que eu amo, que eu tenho perto, que me conhecem, era indiscriminado. um carinho no cabelo, um abraço, um “deitar a cabeça no ombro“. e tem muitos e muitos meses que isso não acontece, salvo um ou outro abraço rápido dentro de casa, um ou outro abraço com alguém que eu encontrei e, de fato, não resisti ao toque. eu sinto falta do toque.

sabe o calor? o calor de uma mão na hora, o conforto de saber que tem alguém ali com você, de alguma forma. e me peguei pensando que, meu Deus, eu nem sei quando isso vai ser possível de novo e se a pandemia gerou um impacto tão grande na nossa cultura a ponto de o toque deixar de ser algo super normal e socialmente aceitável. tipo os dois beijinhos quando você encontra alguém. o sentar colado no sofá pra ver filme. o dar as mãos quando a gente se sente perdido. sei lá. pequenas coisas que me vieram na mente agora.

e, sei lá… também não é verdade que eu me sinto sozinha. porque a gente cai na bobagem de achar que porque não tem ninguém por perto foi esquecido pelo resto do mundo. se você acredita nisso saiba que, pelo menos, eu to aqui com você. tem um lugar onde a gente se encontra, onde a gente sabe que tá junto e que aqui é um espaço onde a gente tá seguro. e a gente tá. seguro, quero dizer.

mas me pego pensando em demonstrações de afeto e como sinto falta delas mais do que nunca. e como elas passam batido no nosso cotidiano de confinamento forçado. a gente esquece. isso fica em segundo plano, num canto escuro da mente até que a situação é tão insuportável que tudo o que você mais deseja é um abraço.

penso também que a gente é muito ingênuo de pensar que um toque é o suficiente pra demonstrar tudo o que eu sinto pelas pessoas. me veio agora que demonstrações de afeto andam escassas e que a gente se engana achando que existe apenas um formato de demonstrar amor. é um toque, sim, mas também é uma palavra de carinho. é um considerar o contexto do outro. é cuidar de si mesmo e também daqueles que vivem perto de nós.

fico pensativa quando escrevo sobre isso. fico pensando em coisas para pesquisar sobre o assunto, mas me esqueço delas no mesmo instante que abro uma nova aba de pesquisa. fico me perguntando o que é, de fato se sentir confortado por alguém e se o toque tem a ver com isso. aliás, me pergunto até se esse conforto vem mesmo do outro ou se é algo que nutro em mim mesma, e que cresce a cada vez que compartilho isso com alguém.

escrevo textos profundos na tentativa de compartilhar meu toque com alguém, esperando que o meu tocar das teclas chegue ao outro lado da tela, de alguma forma. sinto minha própria pele tentando entender o que há de tão especial no toque pele com pele. não passam de terminações nervosas e sinapses. aliás, parei pra pesquisar agora qual e a anatomia de um toque e percebi que o toque não exatamente tem uma anatomia, o que faz sentido porque nesse meio tempo chorei ouvindo uma música e me senti confortada.

sem toque.

como a gente faz pra se confortar num mundo sem toque? sem abraços apertados e sem carícias? sem o roçar de lábios e de mãos e de rostos?

bom, a gente encontra outro jeito, certamente. dizem que na privação de um sentido os outros ficam mais aguçados e me percebi mais atenta às pequenas coisas. pra começar, às músicas que ouço. depois, às pequenas falas cotidianas, os pequenos atos diários que não são toque, mas são carinho. a pia que amanhece vazia (e limpa). o cachorro que é levado pra passear permitindo o treino na sala de casa sem interrupções. o compartilhar de uma informação nova ou curiosa durante o dia. uma ligação inesperada. até um café virtual.

talvez o toque não esteja lá, mas o conforto e o carinho, sim. principalmente, o que tem em cada uma dessas situações é o outro. mais alguém. uma pessoa, tão viva quanto eu, que decide tirar alguns minutos do seu dia pra fazer alguma coisa, qualquer coisa, e contar pro universo que tá viva também.

e eu acho isso a coisa mais bonita.

pensei em perguntar para um médico como os toques funcionam, mas percebi que isso não é mais necessário. porque não é sobre isso. a Stella tem razão, a gente precisa do toque tanto quanto do ar pra respirar, mas discordamos na semântica: pra ela, toque é pele com pele. pra mim, toque é amor. e amor se demonstra de tantos jeitos que não duvido que você o encontre até num post de blog.

isso emociona e acende uma chama aí no seu coração que você achava que tava apagada a um milhão de anos, pelo menos. bobagem, a fogueira só tava escondida atrás de uma cortina. mas é difícil ignorar a fumaça, como diz o ditado. se há fumaça, há fogo, e se há fogo, há amor. o complemento é totalmente de minha autoria, mas sinto que é verdadeiro.

me estendo mais do que pretendia falando de toques (ou de amor) porque sinto que é mais do que necessário. terminei o filme como sempre termino: chorando. mas dessa vez, foi diferente. porque o choro me lembrou uma urgência, que é a urgência do momento, que é o que a gente precisa: de toque.

entenda: de amor.

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Escrito pelaMaki
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10 Comentários
  1. Claudia Hi  em março 22, 2021

    Oi Maki!

    Eu acho que sou sortuda então porque eu ainda não assisti o filme rs Mas eu não assisti consciente. Ando medrosa, fugindo de filmes que eu sei que vão me fazer chorar.

    Achei interessante você falar sobre isso porque eu nunca tive muita necessidade de contato físico. Mas com essa pandemia eu percebi o quanto sinto falta de um abraço, um cumprimento (beijinho no rosto). É surreal como isso faz falta e a gente nem percebe. Mas infelizmente não tem jeito, acho que é como você escreveu. Tá todo mundo precisando de toque, de amor e carinho. E já que toque físico não dá, vamos tentar suprir de outras formas, como textinhos lindos e emocionantes como o seu ♥

    • Maki  em abril 08, 2021

      CLau, é isso. eu sempre fui muito do toque e sinto o baque até hoje (pensei hoje mesmo na saudade que eu tô de um abraço apertado!).
      mas vamos como a gente consegue, né? ❤️

  2. Bianca  em março 21, 2021

    hoje lá pela hora do almoço foi responder uma amiga no whatsapp e falei justamente que ando acordando sentindo falta do toque, dos pequenos toques que demonstram afeto. horas depois entro no meu bloglovin para encontrar esse post me esperando. você transmitiu exatamente o que eu senti quando escrevi a mensagem para minha amiga. obrigada por isso.

    • Maki  em abril 08, 2021

      aaaa Bianca ❤️ espero que o post tenha te trazido um pouco de aconchego e conforto!

  3. Jae  em março 18, 2021

    Maki, pera KKKKKKKKKKKKKKKKKKK
    Esse post me toca mto fundo em alguns lugares para uma leitura a essa hora da manhã (mas claro que eu não sei o horário em que esse post foi publicado, enfim)

    Eu real não sei o que comentar sobre esse texto. E para ser sincero comigo msm, eu não /preciso/ ter como retrucar sobre o que você escreveu né? Nóia minha, eu acho. A verdade é que você já disse tudo. O toque físico pode até fazer falta, mas muitas vezes o toque físico é algo tão vazio. Quantos abraços a gente não dá por pura obrigação moral? Quantos dos nossos toques vêm até mesmo de um lugar de violência, um tipo de beijo do Judas? Eu acho que as palavras têm uma capacidade muito maior de nos tocar.
    Por isso eu tomei tanto gosto em ler as coisas direto dos dedos dos autores. É uma coisa que eu tenho praticado há alguns anos, ler o texto original sempre que possível, ao invés da tradução. E isso não é um desrespeito à profissão do tradutor, de jeito nenhum, pelo amor de Deus. Eu admiro demais o trabalho, mas ler as palavras originais tem um toque romântico a mais, sabe?
    Ultimamente eu tenho usado como objeto de estudo (para o coreano) muita letra de música, e é muito diferente quando você entende algumas nuances do idioma que não conseguem passar pela tradução para a nossa língua. Às vezes a gente se sente tocado, não necessariamente pelas palavras, mas pela forma que as coisas são ditas, e isso é simplesmente difícil de traduzir com pureza.
    É por isso que as palavras são a maior arma. Eu sempre defendo que o diálogo conseguiria resolver muitos problemas se feito com responsabilidade e maturidade.

    As palavras nos tocam muito mais do que uma sensação física.
    O Romantismo é destacado pelos seus poemas. E isso já fala muito, né?

    Obrigado pela reflexão, Maki 💞

    • Maki  em abril 08, 2021

      ahahaha meu Deus, Jae, eu amo os seus comentários, sério!
      e super entendi o que você quis dizer sobre ler o original! eu sinto algo parecido, acho.
      (curiosamente, também tô aprendendo coreano! mas tô bem na fase do “tentando” ainda hehe)

  4. Carolina Justo da Silva  em março 17, 2021

    Adorei esse texto demais. Eu realmente sinto saudade demais de poder cumprimentar as pessoas com o toque, com carinho, sério… o povo brasileiro é caloroso demais pra não abraçar
    eu nem sei como agradecer nem parabenizar ngm sem poder abraçar.

    beijos
    Carol Justo | Justo Eu?!

    • Maki  em abril 08, 2021

      Carol, super te entendo. acho que a gente vai ter que reaprender muita coisa quando isso tudo passar, né? mas o principal, eu vejo, é demonstrar afeto do jeito que a gente consegue ❤️

  5. Laila Avelino  em março 17, 2021

    Olha que loucura, sobre as coincidências musicais que volta e meia e meia nos conta que lhe aconteceu, acaba de acontecer comigo, eu bem plena lendo seu texto e na minha Playlist me toca: I Want To Hold Your Hand (dos amados, salve e salve) e é exatamente isso que estou sentindo ao ver suas palavra: que vontade de abraçar essa guria! Que delícinha de texto! Obrigada.

    • Maki  em abril 08, 2021

      MENTIRA, LAILA! arrepiei aqui! (e eu amo tanto essa música!)
      sinta-se abraçada de volta ❤️