eis que eu tava lá, lendo com toda atenção do mundo o último livro do Austin Kleon, Keep Going, e me deparei com uma frase que, desde então, não saiu da minha cabeça:
quando estamos colados às nossas telas, o mundo parece irreal. terrível. não merecedor de ser salvo ou de ter a nossa companhia. todo mundo na terra parece um troll, um maníaco ou pior. mas você vai lá fora e começa a andar e você cai em si.
(Keep Going, Austin Kleon)
(essa tradução é livre porque, infelizmente, o livro ainda não foi lançado em português.)
ele tava falando sobre como os demônios odeiam o ar livre (eu amei demais o nome desse capítulo) e como a gente meio que retoma a sanidade quando sai de casa e se dá a chance de observar o mundo, sabe?
tipo, você lembra que eu falei que pra escrever bem a gente precisa olhar pra fora, né? e é mais ou menos isso mesmo: a gente fica tão focado na enxurrada de informações que recebe todos os dias, o tempo inteiro, que a terra vira essa grande massa condenada ao sétimo círculo do inferno de Dante – a gente esquece que tem coisa boa por aí.
é doido, porque a gente perde a noção mesmo das coisas. a gente fica tão cercado por essa bolha virtual de más notícias e desgraças que se espalham rápido demais, e meio que perde de vista que tá todo mundo tentando chegar num lugar de conforto e felicidade e amor e as árvores tão bonitas lá fora e o céu tá azul e tem crianças brincando com uma bolinha colorida que lembra aquela outra que você tinha quando era criança.
eu sempre amei muito andar. mesmo. pra mim, nenhuma distância é longe demais se eu tenho duas pernas que me levam onde eu quero ir e eu juro que não me importo de sair 30 minutos antes de casa porque esse é o tempo que eu levo pra chegar a pé na casa de alguém.
andar sempre me ajudou clarear a cabeça e, no mínimo, lembrar que tem um mundo inteiro lá fora.
eu andei muito na França. também andei um bocado em São Paulo (e continuo, aliás). mas eu nunca tinha pensado por esse lado que o Austin falou, sabe? de que a gente lembrar que tem coisas bonitas e que valem a pena quando se propõe a olhar além da nossa bolha online.
claro, tem um monte de coisa nesse meio… e eu sei que não é fácil só olhar pela janela e reconhecer que o mundo merece salvação (porque merece, sim, se isso significa que eu e você vamos ser salvos de sentir coisas ruins), mas, sei lá…
mesmo nos meus momentos mais difíceis, eu lembro de olhar pra um céu sem nuvens e pensar “minha nossa, que coisa mais bonita“, e era difícil não sorrir quando eu via o nascer do sol cruzando a ponte da Av. Bandeirantes de ônibus a caminho do estágio.
sinto que a gente tem que retomar esse olhar, sabe? lembrar que fora da telinha tem coisas acontecendo que merecem a nossa atenção também, e que essas coisas (por menores que sejam) podem ser a relembrança necessária pra gente retomar o fôlego.
talvez eu esteja indo longe demais com uma coisa simples (é possível), mas acho que pra gente mudar o mundo a gente tem que primeiro saber qual que é a mudança a ser feita, e a gente só vai saber a mudança a ser feita olhando.
e, no fim das contas, tem coisas que valem a pena serem salvas, só que a gente tem que começar a olhar mais pra fora do que pra dentro e buscar se relacionar com o contexto, entende?
não sei, eu tenho pensado sobre isso desde que terminei o livro (e sobre outra parte também, que contei na newsletter – você já assina?) e tentado mesmo prestar atenção quando eu saio nas minhas andanças por aí. por exemplo:
- eu não tinha reparado que um dos seguranças do prédio fica esperando eu passar pra dar bom dia todo animado;
- nem que tem uma arvorezinha no canto da garagem com uma flor branca e bonita que eu nunca tinha visto antes;
- do outro lado da calçada dá pra ver direitinho o quanto as pessoas se divertem fazendo ginástica na praça;
- tem um garoto que cruza comigo todos os dias usando gorro e fumando um cigarro e parece que ele tá flutuando em cima do skate;
- a moça que anda com os pais pelo bairro de manhã também fica esperando pra me dar bom dia;
- a luz de inverno batendo nos prédios logo cedinho é a coisa mais linda.
tem que prestar atenção, sabe? é um exercício mesmo. e uma escolha por não criar clipes mirabolantes pras músicas que eu tô ouvindo (você já tentou não fazer isso ouvindo qualquer k-pop?) e ficar atenta ao que tá rolando fora de mim.
mas acho que compensa, viu?
sei lá. tem muita coisa bonita por aí.
talvez, só talvez, seria melhor se a gente prestasse atenção só que é real.
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7 Comentários
[…] coisa boa nisso tudo é que ao desconectar eu conheci gente que escreve, como eu. Fontes de inspiração no que dizem, em seus insights valiosos e em cada […]
Eu amo desconectar, sair, observar a rua, o céu, as pessoas. As vezes encontro solução para algum problema, ou a inspiração para algo que eu precisava. As minhas melhores ideias do tcc surgiram enquanto eu estava voltando da corrida e não quando passava horas na internet atrás de referencias. Desconectar é como esvaziar a mente para depois preenche-la com coisas novas – e talvez melhores.
nossa, Sté, é exatamente isso! a gente precisa desapegar um pouco desse barulho mental pra ver o que tem de interessante ali dentro, né?
Tive um professor no colegial que nos disse que nunca paramos para olhar as coisas ao nosso redor, pois estamos sempre apressados ou prestando atenção em outras coisas. Nunca reparamos em nada no caminho de ida ao trabalho e retorno. Passamos todos os dias pelos mesmos lugares e nunca olhamos de uma maneira mais focada. Passei a prestar atenção em todos os detalhes. Casas, prédios, pessoas… É tão gostoso você sentir-se parte e ver que tem muito mais coisa no mundo real! Assim como gosto de observar as pessoas que pegam ônibus comigo ou que caminham ao meu lado, gosto de observar o caminho que pego há mais de 5 anos para o trabalho. Sempre há algo novo! Sempre há algo belo!
Renan, essa é uma lição muito preciosa, né? porque a gente esquece mesmo de olhar pros lados, ver o que tá acontecendo ao nosso redor. é doido, mas a gente entra meio que num automático e parece que é sempre tudo igual. mas nunca é!
Pura verdade. A gente se aprisiona e esquece de olhar e perceber que ainda há coisas simples porém belas de se ver, sentir e viver.
Adorei o post.
exatamente, Paloma!