escrita criativa

eu tenho certeza que já falei sobre isso alguma vez por aqui, mas bati o olho nessa anotação no meu caderno e fiquei intrigada pelo que eu li. ela surgiu de um tuíte que eu vi há algumas semanas, que falava exatamente sobre como escrever não é uma prática solitária, ao contrário do que muita gente pensa.

a maior mentira sobre a escrita é que ela é uma prática solitária. uma carreira de escritor, especialmente, não pode – não deve – crescer no isolamento. eu não sei onde estaria, ou qual seria o estado da minha estabilidade emocional, sem a rede de segurança que são as relações com outros escritores. – jeanna kadlec

eu acho bem curioso como a gente ainda insiste na ideia do “artista solitário”, aquele cara todo sujo de tinta e com os dedos escuros de tanto usar carvão pra desenhar que se esconde num estúdio empoeirado pra “criar a sua arte” sozinho. o artista atormentado segue sendo a opção número um de protagonista pra centenas de milhares de fanfics publicadas no mundo inteiro (nada contra as fanfics, inclusive amo!) alimentando esse inconsciente coletivo de que ser artista significa ser solitário.

e isso se estende à escrita. existe na minha mente um cara de chapéu fedora que usa um terno surrado e tem um cigarro meio aceso, meio apagado, pendurado na boca enquanto escreve na sua máquina de escrever numa sala abafada com nada além de uma escrivaninha, uma cadeira bamba e uma luminária. e ali ele fica, digitando as suas palavras, sem falar com ninguém. por algum motivo, acho que seu nome é Dwight. combina bem com a imagem, né?

sei que comentei com os membros do clube navegantes mais de uma vez que, pra mim, escrever não faz muito sentido se não tiver troca. escrevo pra internet há tanto tempo que às vezes é fácil esquecer que existe alguém do outro lado da tela lendo o que tá digitado. e ter esse feedback, eu percebo, é uma das coisas mais importantes pra um escritor.

a relação com os pares também. e vejo, mais uma vez, como é fácil a gente cair no conto da competição auto-imposta, em que ninguém pode ser amigo de ninguém porque tá todo mundo atrás do mesmo baú de tesouro, escondido em algum lugar do mundo editorial.

mas talvez isso seja só eu.

ter alguém com quem compartilhar as dores de ser escritor (ou um aspirante a) me parece tão importante quanto a escrita em si – afinal, escrever bem é uma arte difícil. sem essas relações, de fato fica muito complicado entender se o que estamos colocando no mundo faz algum sentido ou se tem algum valor.

existem muitos falsos mitos sobre criatividade, mas um dos mais perigosos é o do ‘gênio solitário’: um super-homem com talentos especiais que brotam em certos momentos da história sabe-se lá de onde, sem precedentes e influências, com uma ligação direta com Deus ou com a Musa. – austin kleon

uma das coisas que eu mais gosto no trabalho do Austin Kleon é como ele fala sobre colaboração como um catalisador pra criatividade. o seu artista preferido não tira a sua inspiração “do nada“, ele tem uma árvore genealógica de artistas que inspiraram o seu trabalho – e cada um desses novos artistas tem outros que constroem as suas próprias árvores e assim por diante.

toda área criativa tem uma cena e o seu papel, como artista, não é só criar a sua arte, mas participar da sua cena. na era da internet, onde é facílimo encontrar pessoas com o mesmo interesse que você, achar aquelas pessoas que gostam das mesmas coisas e que fazem trabalhos semelhantes aos seus não é difícil.

mas talvez a gente se veja como naquela cena de Meninas Malvadas em que a Lindsay Lohan vê na cantina uma selva – pode ser difícil encontrar um lugar pra pertencer sem você deixar de ser quem é pra sobreviver se adaptar.

tenho me sentido um pouco assim, olhando pra internet como se fosse um cervo no meio de uma alcateia de leões. ou, pelo contrário, como se fosse um leão diante de um conjunto de cervos, pronta pra atacar – como você deve imaginar, às vezes me pergunto se sou, de fato, uma pessoa com a qual vale a pena se relacionar.

começa assim: ponha sua escrivaninha no canto e, toda vez que sentar-se para escrever, lembre porque ela não está no meio da sala. a vida não é um sistema de suporte para a arte. é ao contrário. – stephen king

em Sobre a Escrita, o Stephen King faz questão de falar, de novo e de novo, como a escrita não é o objetivo final, mas o meio através do qual registramos as nossas vivências. seja em forma de ficção ou não. a escrita é um suporte à vida e a vida é feita de relações.

como, eu pergunto, a escrita pode ser uma arte solitária? ela depende das relações. lembrei de Ernest Hemingway também, que transformou toda uma vida de aventuras e vivências e casamentos em livros – e esses livros se tornaram algumas das obras mais notáveis e importantes da história da literatura. O Velho e o Mar, por exemplo, fala muito da sua paixão pela pescaria e retrata um pescador que era seu amigo próximo.

parece que uma nova ficha caiu por aqui, sabe? e talvez o entendimento de que a escrita não é, nem nunca será, uma arte solitária (assim como todas as outras) seja o segredo pros bons textos. colaboração ao invés de solidão. me parece uma boa ideia.

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Escrito pelaMaki
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