rotinas com afeto

pra mim, um dos episódios mais engraçados de How I Met You Mother é da segunda temporada. nele, a Lily chama os amigos pra assistirem uma peça que ela faz e a cena é doída de tão… cringe (na falta de uma palavra melhor). parece que, a cada diálogo, os atores da tal peça só juntaram um monte de falas aleatórias, luzes brilhantes e algumas interações com o público que não fazem sentido algum e chamaram de “arte”. depois, o brilhantismo do episódio vem quando o Barney decide fazer a mesma coisa, e a minha cena favorita da “peça” dele é quando ele usa uma arminha de água pra atirar nos amigos, que tão na primeira fila.

criatividade é uma vivência coletiva

tem vezes que a criatividade parece ser assim, né? um monte de cenas aleatórias com coisas sem sentido, que surgem do nada. às vezes, você deixa a criatividade interagir com o público, outras guarda pra você o que tá acontecendo até a coisa parecer pronta. outras vezes ainda, a gente improvisa no palco mesmo e “deixa rolar”. enfim. a criatividade parece um monte desordenado de coisas aleatórias que se unem sem lógica. ou, pior ainda, é o tipo de coisa que tem que ficar muito bem guardadinha num quarto com temperatura ideal e uma cama com colchas e almofadas fofinhas. aliás, melhor evitar barulhos estridentes ou movimentos bruscos, porque é capaz dela assustar e a gente só encontrar de novo sabe-se lá Deus quando.

acho que deu pra entender que eu tenho pensando muito sobre a criatividade nos últimos tempos. inclusive, a danada decidiu aparecer do nada com essa ideia de texto, porque eu tinha outra coisa planejada pra escrever hoje. mas tudo bem, a gente aceita. ela me disse também que eu deveria começar explicando melhor tudo o que eu quero dizer falando sobre o Austin Kleon, esse ser maravilhoso e iluminado.

uma alegria e uma desgraça pra quem me acompanha há mais tempo, né?

mas eu juro que vai fazer sentido.

lá em Roube como um Artista, o Austin começa o livro falando sobre a árvore genealógica criativa. eu já comentei sobre isso algumas vezes por aqui, mas a ideia é você encontrar uma pessoa que curte ou admira (como eu com o Austin) e estudar tudo sobre aquela pessoa. depois, estudar tudo sobre três pessoas que essa primeira que você escolheu curte ou admira. assim, você vai criando a sua própria árvore genealógica (entendeu agora?) de inspirações criativas. em outras palavras: é sobre você escolher os seus próprios professores.

se estivermos livres do fardo de ser completamente originais, podemos parar de tentar construir algo do nada e abraçar influência ao invés de fugirmos dela. – Austin Kleon

eu tô explicando tudo isso por um motivo, claro. é que parece que, só agora, depois de ler esse livro sei lá quantas vezes, eu entendi o que, de fato, isso significa. quando a gente tem pessoas que admira e se propõe a aprender com elas conscientemente (afinal, a gente tá sempre aprendendo com todo mundo), você se mune de uma galera que apoia o seu trabalho indiretamente. é a história do repertório tudo outra vez, só que em outro nível de entendimento. tanta gente influencia o meu trabalho que é difícil dizer que eu escrevo sozinha quando escrevo.

mesmo não tendo ninguém aqui comigo, sabe?

a minha árvore genealógica tá aqui, as influências que eu tive, as pessoas que eu estudei, as outras que estou estudando, com quem estudo e aprendo, o que eu tô aprendendo… enfim, se você leu os meus posts recentes, sabe que tem até YouTuber escrevendo esses posts comigo.

parece que, de repente, eu entendi que é muito ilusão achar que o trabalho criativo é sozinho, por mais que, vez ou outra, a gente precise voltar um pouco pra si mesmo pra depois desbravar o mundo lá fora.

e tô dizendo esse tanto de coisa também porque dei o braço a torcer e comecei a ler A Coragem de Ser Imperfeito, da Brené Brown. falo “dar o braço a torcer”, porque confesso que tinha um pouco de resistência à ideia. eu vi o documentário dela na Netflix, uns anos atrás, e não tinha me tocado tanto quanto as pessoas comentaram. talvez porque eu já me expunha demais – emocionalmente – por aqui pra achar a questão da vulnerabilidade uma grande novidade.

mas eu tô divagando. o que quero dizer é que tô lendo a Brené e o trabalho dela é uma coisa maravilhosa demais. fala justamente sobre como as nossas experiências como seres sociais têm uma influência na forma como a gente age e pensa – muito mais do que a gente imagina. mas, mais do que isso, é abrindo essa experiência que acontece uma mágica doida, o que ela chama de “viver com ousadia”. é sair da caixinha em que a gente se esconde.

e, honestamente, eu sinto que tenho feito isso nesse último ano. saindo da caixinha em que eu me escondia.

ela, inclusive, fala como a jornada da invulnerabilidade não pode ser percorrida sozinha. na verdade, não é que “não pode”, é que “não dá”. não dá porque a gente precisa de uma base de apoio pra explorar o nosso sentir, que, segundo ela, baseia a nossa vulnerabilidade.

e, de novo, eu to falando de tudo isso, pulando de galho em galho, pra explicar uma coisa importante que eu descobri:

a criatividade é uma vivência coletiva.

não existe criatividade solitária, o ser criativo nunca é sozinho, e o desenrolar das ideias criativas também não. achar que a criatividade é uma coisa isolada, do tipo “ou a gente é ou não é”, ou tem momentos criativos ou não tem”, é loucura.

porque a gente nunca tá sozinho quando cria.

vulnerabilidade soa como verdade e é sinal de coragem. verdade e coragem nem sempre são confortáveis, mas nunca são fraquezas. – brené brown

no mínimo, a gente tá pertinho de todas as pessoas que influenciaram a gente, de todos aqueles que a gente estudou, de todo mundo que inspirou a gente de algum jeito. no máximo, a gente tá ligada com essa força máxima (que pode ter muitos nomes, eu chamo de “Deus”) que rege o universo que a Liz Gilbert fala tão bem em Grande Magia.

até o ser vulnerável depende de outra pessoa pra receber essa vulnerabilidade. e, na minha cabeça, isso tem tudo ver com criatividade, com escrita, com arte, porque tudo o que a gente faz tem outra pessoa envolvida de outra maneira. a gente tá numa corrente de causas e efeitos que nos conecta e o que me liga a você não necessariamente são as experiências individuais que cada um de nós tem ao longo da vida, mas aquela sensação que, de certa maneira, todo mundo sente em algum momento – é meio que o lugar onde a gente se encontra, sabe?

lembro que, quando eu comecei esse blog, a minha ideia era compartilhar com as pessoas o que eu sentia na esperança de que ajudasse alguém, que a gente se identificasse naquelas sensações confusas e não se sentisse mais tão sozinho.

a minha criatividade teve um catalizador (o Austin também fala disso em algum lugar, sobre você pegar uma insatisfação e usar como combustível pra sua arte), mas ela só ganhou vida porque surgiu de um monte de coisas e influências e pessoas que ainda tão aqui, de certa forma.

na minha cabeça, isso tira um pouco a pressão de ter que ser criativa o tempo inteiro, como se fosse minha responsabilidade alimentar sozinha essa monstruosidade. como se, sem mim, ela morresse de sede num deserto lá longe.

mas tem mais gente cuidando dela também, sabe? porque a criatividade é uma vivência criativa. e se eu dou um passo pra trás e me deixo curtir um pouco o tanto de influência que tem por aí, ela logo logo volta aqui com ideias frescas pra me ajudar a criar de novo (ou mais).

inclusive, passei um tempo aqui olhando pra minha estante de livros, pensando se vinha mais alguma ideia na cabeça de como fechar esse post, e eu bati o olho num livro que chama The Little Book of Hygge. eu ganhei ele de presente da Mel e é uma das coisas mais lindas que eu tenho. o hygge (se fala hoo-ga) é uma filosofia de felicidade dos dinamarqueses. tem toda uma estética centrada nisso (que eu amo), mas o que me chamou a atenção foi a lembrança de ler nesse livro sobre a importância que as relações têm pros dinamarqueses e pra que essa filosofia toda funcione.

o tempo que você passa com os outros cria uma atmosfera que é quente, relaxada, amigável, pé no chão, íntima, confortável e aconchegante. de muitas maneiras, é como um abraço, mas sem o contato físico. são nessas situações em que você pode ser totalmente relaxado e você mesmo. a arte do hygge é, portanto, também a arte de expandir a sua zona de conforto para incluir outras pessoas. – meik wiking

talvez dê pra dizer também que a criatividade é o resultado do relacionamento. quando a gente se dispõe a interagir com os outros, com as coisas, com o mundo, a gente abre espaço na nossa zona de conforto pra incluir as outras pessoas e, ali, a criatividade tem espaço o suficiente pra crescer feliz.

eu achei isso tão bonito… “a arte de expandir a sua zona de conforto para incluir outras pessoas”. acho que eu quero viver assim, sempre incluindo outras pessoas na minha vida pra manter a criatividade viva. porque a criatividade é resultado do relacionamento, da troca, dos insights que a gente tem numa conversa, das fichas que caem lendo um livro, até das revelações que a gente experiencia enquanto tá tomando um banho (no mínimo, precisa de alguém pra fazer a água chegar até o seu chuveiro, né?).

a Joan Odell também fala muito sobre isso em Resista – Não Faça Nada, esse livro maravilhoso que marcou meu ano até agora. ela tem um capítulo todo dedicado à importância da gente dar atenção pras outras pessoas como uma forma de se reconectar com tudo, inclusive com a gente mesma.

somos o produto fluido de nossas interações com os outros, e não temos escolhas quanto a isso. o que cabe a nós é reconhecer ou não essa realidade. – jenny odell

enfim. não sei você, mas pra mim a coisa fechou aqui. encaixou. ficou mais clara. ver a criatividade como uma coisa sozinha é difícil e até meio complexo. mas quando a gente olha como uma coisa nossa, que flui de mim pra você, de você pra próxima pessoa, dessa pessoa pra um livro e desse livro de volta pra mim… fica muito mais fácil entender que a criatividade tá em todo lugar o tempo todo, é a gente se permitir sair da zona de conforto pra incluir os outros na nossa vida.

e fica o convite pra você ler Roube Como um Artista, se você não leu ainda. acho que pode ajudar a deixar essa ideia toda mais clara – fora que é uma leitura que, com certeza, vai alimentar a nossa criatividade também.

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Escrito pelaMaki
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5 Comentários
  1. Julie  em julho 28, 2021

    poxa, Maki, esse seu texto caiu como uma luva sobre a situação na qual me encontro. lembra do texto que nunca saiu sobre escrita afetiva? pois é, porque eu preciso de mais pensamentos sobre isso. nessa gana de entender o que tá acontecendo aqui dentro (não só sobre escrita, mas criatividade num geral), eu comprei Grande Magia e Siga em Frente por sua recomendação, e agora que li o Siga em Frente e tô quase finalizando Grande Magia, que eu tô começando a entender um pouco mais o que me prende muitas vezes, quando sinto que travo e não sai mais nada.
    não lembro em que texto você disse que o Austin Kleon, em Roube Como Um Artista, diz que você escolhe alguém que admira e a estuda e daí estuda mais três pessoas que essa pessoa admira, e faz total sentido, por isso estou atrás dos livros das pessoas que você recomenda (não sei se você notou, mas é uma grande inspiração pra mim <3). quero que essa pessoas também mostrem pra mim o que elas tem para dizer e vou aprendendo com elas e criando meu jeito, mas ao mesmo tempo sendo criativa junto com os outros. ^^
    enfim, poderia ficar aqui falando mais e mais sobre todo o texto (ou seus textos que chegam a mim), mas fico por aqui por hoje.
    e obrigada mais uma vez por toda a reflexão e inspiração. beijão!

    • Julie  em julho 28, 2021

      Maki, releva que eu tô ficando meio doida.
      foi nesse mesmo texto aqui que você fala da árvore genealógica criativa do Austin Kleon hahaha, mas é que eu tava com alguns textos seus abertos aqui; lendo tudo meio junto, que confundi legal xD

  2. Bianca  em julho 22, 2021

    acho que esse conceito de que somos uma coisa isolada é bem ultrapassado né, cada vez mais dá para sentir o quanto um afeta o outro, que fazemos parte de um todo e estamos interligados, e é claro que isso iria refletir no nosso âmbito criativo. vejo a gente como um emaranhado de tudo aquilo que nos inspira e que consumimos, é confuso, é bagunçado e isso é o ser humano.
    lindo post como sempre, espero que você esteja bem
    xoxo

  3. Camila Faria  em julho 21, 2021

    Ah, que coisa mais maravilhosa Maki. Eu sempre fui muito resistente à ideia de que criatividade é uma coisa unilateral e também acho que as influências são MUITO importantes. Adorei esse trecho do The Little Book of Hygge e fiquei bem interessada em ler.

    • Maki  em agosto 07, 2021

      menina, esse livro é muuuuuito legal, de verdade! eu ainda não li inteiro, vira e mexo pego e leio uma página (porque ele é tipo um manual mesmo), mas é doido como a coisa se encaixa, né? ♥︎