livros

para poder viver desancorando

quantas vezes você já parou para pensar sobre liberdade? acho que não é o tipo de assunto que a gente fica comentado numa mesa de bar – a não ser que alguém te corte e você reclame que tão tirando a sua liberdade de expressão.

mas, assim, vamos olhar de verdade pra isso. você se sente livre? tipo, você já pensou que pode estar numa prisão e nem tá sabendo? ou que você vive de um jeito que tem uma sensação igualzinha a das pessoas que estão encarceradas de verdade e nunca nem percebeu?

é, foi com esse tipo de questionamento que eu comecei a ler o livro do mês do infinistante, Para Poder Viver, da Park Yeon Mi. tomei a liberdade de fazer a nerd de humanas e procurar no dicionário o que essa palavra significa, antes de continuar escrevendo:

li·ber·da·de 
(latim libertas-atis)
substantivo feminino
1. Direito de proceder conforme nos pareçacontanto que esse direito não  contra o direito de outrem.
2. Condição do homem ou da nação que goza de liberdade.
3. Conjunto das .ideias liberais ou dos direitos garantidos ao cidadão.
4. [Figurado]  Ousadia.
5. Franqueza.
6. Licença.
7. Desassombro.
8. Demasiada familiaridade.

acho que o ponto que mais vamos levar em consideração aqui é o primeiro: “direito de proceder conforme nos pareça, contanto que não vá contra o direito de outrem“. ou seja, eu sou livre até dar de cara com a liberdade do outro (e isso, pra mim, é uma das coisas mais esquisitas do mundo, mas esse é assunto pra um outro texto).

a questão é: no livro, a Yeon Mi fala sobre liberdade. sim, ela tá contando a história dela e como foi pra ela fugir da Coreia do Norte e tentar a vida no exterior, passando por um monte de desgraças no meio do caminho (aliás, vale o aviso: o livro é cheio de gatilhos que, apesar de sutis, podem causar umas sensações ruins – por isso, leia com carinho e só se você se sentir bem com isso, ok?), mas tudo isso em busca de liberdade.

crescendo no país mais fechado do planeta, talvez ela nem tivesse noção que tava atrás disso quando cresceu por lá. porque sem internet, sem nenhum tipo de informação e sem nem poder conversar com as outras pessoas sobre as coisas que ela sentia, era bem óbvio que ela não teria ideia do que essa palavra significa.

mas chega um momento na história em que ela percebe que não dá mais pra viver do jeito que ela vivia. com o pai preso num campo de trabalho, passando fome e frio, vivendo em condições bem horríveis e com a mãe viajando entre o interior do Norte e a capital, Pyongyang, tentando conseguir algum dinheiro. é cansativo mesmo.

então, ela foge. bem no susto, levando a mãe a tiracolo, e crente que seria livre se cruzasse a fronteira pra China, só pra descobrir que estava sendo traficada – vendida como uma noiva por um valor insano de baixo (tipo, a mãe dela foi vendida por 60 dólares), e na mão de pessoas mais horríveis ainda que faziam a Coreia do Norte parecer até meio ok (não exatamente, mas acho que era melhor do que o que ela viveu nas primeiras semanas na China).

daí, como se não fosse o suficiente, ela tenta fugir de novo, em busca de liberdade de novo, e acaba parando na Coreia do Sul. agora sim, liberdade, capitalismo, mundo livre, tecnologia… só que não. ela continua presa.

porque a prisão é um estado mental.

mesmo mudando de lugar, a sensação da Yeon Mi ainda é de prisão. ainda é de que ela não tem liberdade pra viver quem ela é e ser quem ela é de verdade. ela precisa se adaptar, mudar, ela troca de sotaque, ela começa a estudar, ela tenta fazer diferente. ela precisa se provar. no Sul, ela tem que ser alguém importante e falar de um jeito X pra ser reconhecida. ela continua não sendo livre porque ainda parece existir uma força maior do que ela que dita o que ela tem ou não tem que fazer, o que pode e não pode fazer.

e, vamos combinar, você não precisa ser norte-coreana pra ouvir essa vozinha maldosa.

a gente tem certeza que é livre a ponto de nunca pensar sobre isso. mas tem coisas que a gente não consegue falar pras pessoas. a gente faz coisas que às vezes não gosta e não quer só porque ‘precisa‘. a gente se sente contrariado e obrigado e sente raiva e ciúmes e acha que isso é ser livre.

mas não é.

ser livre é exercer o que você é de verdade, sem ressalvas, sem poréns e, principalmente, sem educação.

e nem vem dizer que tô jogando tudo pro alto, que a gente tem que falar as coisas ‘na cara‘ mesmo, tacar o foda-se e sair por aí dizendo o que bem pensa. não é isso. não é nada disso. na real, isso é só mais uma salinha da prisão mental que a gente criou. liberdade não é desculpa pra ser maldoso.

liberdade é viver sem julgamentos“, já diriam Kaw Yin e Yan Yin. é você agir, falar, viver, de um lugar de amor e paz que não tem amarras com o mundo e as coisas que ele pensa, com as opiniões que ele pede e as regras que ele dita. é ser e amar. e ponto final.

eu terminei o livro emocionada e, ao mesmo tempo, com o coração meio apertadinho, sabe? porque acho que a Yeon Mi ainda tá procurando a liberdade que ela tanto defende. e é claro que ela conseguiu uma coisa que poucos norte-coreanos conseguem. ela sobreviveu pra contar a história e tá aí, contando a história bravamente e se fazendo ouvir. tá buscando ajuda pra pessoas como ela, tá usando a voz dela como pode.

mas quando o assunto é liberdade… acho que todos estamos ainda bem presos numa ideia de vida que faz a gente sofrer e carregar no peito um peso que não é devido. e sair disso é um trampo… mas a boa notícia é que é possível, e só a gente querer e treinar. e escolher de novo pela liberdade ao invés da prisão. e sair da nossa cabeça quando a gente tiver vontade de ficar escondida lá dentro, pensando coisas sobre a gente e sobre os outros. e cuidar de quem pede cuidado (mesmo que não pareça que a pessoa tá pedindo por isso).

se eu gostei do livro? gostei muito. Para Poder Viver me mostrou um outro lado do mundo (até literalmente) que eu não conhecia, e abriu minha mente pra falar com você sobre liberdade e como a gente pode ajudar essas pessoas lá longe trabalhando na nossa cabeça essa tal de liberdade. acho importante, sabe? acho que a gente precisa se questionar sobre isso e pode ser que ler uma história como essa seja o gatilho (do bem) pra gente pensar sobre coisas mais profundas que vão reverberar do lado de lá do planeta.

ah, se você se interessou, você pode comprar Para Poder Viver, da Park Yeon Mi, clicando aqui (lembrando que eu ganho uma comissãozinha se você comprar por esse link!) – e se quiser participar do infinistante e ler junto comigo, a Mel e a Loma, um monte de livros legais, pode clicar aqui. e um spoiler: o livro de junho será Tudo é Belo, do The Moth.

você já leu Para Poder Viver? o que achou?

Compartilhe!
Escrito pelaMaki
Deixe seu Comentário!


Warning: Undefined property: stdClass::$comments in /home1/desan476/public_html/wp-content/themes/plicplac/functions.php on line 219
13 Comentários
  1. Bianca  em junho 30, 2018

    Sempre quis ler esse livro, porque a ideia de um país isolado do mundo e completamente misterioso nunca entrou direito na minha cabeça. Mas após fazer extensas pesquisas sobre refugiadas da Coreia do Norte (para o meu futuro tcc) encontrei muitas publicações sobre a possível farsa que é a Yeonmi e como ela se contradiz muito sobre o relato dela. Tem até vídeos no YouTube sobre ela na ONU. Eu fiquei bastante frustrada com a possibilidade, por isso deixei o livro num cantinho para quando eu tiver mais ânimo em ler.

    • Maki  em julho 09, 2018

      olha, não sei se essas notícias sobre ela são verdadeira, e eu percebi na narrativa que algumas coisas parecem meio estranhas, a forma como ela conta e tals. mas não deixa de ter um quê de verdade ali, né? principalmente sobre o que ela viveu na Coreia do Norte mesmo. eu achei bem interessante! é uma experiência legal, mas quero ler outros livros sobre o assunto pra entender mais!

  2. Pri  em junho 11, 2018

    Maki, gostaria de comentar aqui porque não sei para onde enviar – e isso se estende para Mel e Loma também.

    Muito obrigada pela criação do Infinistante. Eu fiquei lendo o livro, claro que chocada com tudo o que aconteceu (tive pesadelos também) e vários outros assuntos que foram discutidos na live, mas também fiquei pensando: “Nossa, o que será que as meninas vão comentar na live? O que será que os outros leitores vão acrescentar?”. E essa espera pela live me fez ter um sentimento bom que há muito tempo eu não tinha. De poder comentar o que eu gosto, com pessoas que também gostam da mesma coisa. Lembro que quando eu era pequena, no final das revistas sempre tinham endereços para Clube de Livros, ou trocar papéis de carta. Em algumas cidades também sempre ouvi falar de Clubes de Livros e essa ideia sempre me fascinou. E agora, graças a vocês, eu tenho a oportunidade de participar.
    Eu estou em um período um pouco desgastante. Eu fui diagnosticada com duas hérnias de disco na região lombar, e desde Março eu venho sentindo dores horríveis, estou afastada do meu trabalho, não estou fazendo as coisas que fazia antigamente pois a fase aguda é muito limitante. E hoje, pela primeira vez em meses, eu consegui deixar a dor de lado e consegui aproveitar da live e do momento que tivemos. Foram quase duas horas, mas por mim eu ficaria ainda falando sobre o assunto por dias. 😀
    Obrigada por você, Mel e Loma cederem um pouco de seu tempo para estarem conosco, sempre tão simpáticas, acolhedoras. Obrigada por essa iniciativa. É muito legal ver o ponto de vista de vocês. Vocês três são bem diferentes em personalidade, em estilos, mas em uma coisa são muito iguais: a serenidade. Vocês transmitem um sentimento de paz e que vai ficar tudo bem, eu não se explicar, mas vejo muito disso em vocês. Embora morando longe umas das outras, consigo enxergar essa característica muito forte e aí eu vejo que não foi a toa que vocês se conhecem e são amigas. É notório o trabalho em conjunto e como vocês se dão bem de verdade.
    Espero que a vida retorne em dobro o bem que vocês fazem e fizeram pra mim. Desejo muita saúde, alegria e sucesso em tudo que decidirem fazer.
    Obrigada, obrigada, obrigada! <3

    Da sua companheira kpopper e dorameira: Pri.

    • Maki  em junho 12, 2018

      Pri, sériooooooooooooooo! que comentário mais lindo. nossa, eu nem sei o que dizer. brigada mesmo por isso! é incrível saber que o clube do livro te faz tão bem e é um baita incentivo pra gente continuar com esse trabalho. a ideia era essa mesmo: oferecer pra quem quisesse participar a oportunidade de fazer uma coisa junto, e trazer um pouco mais de alegria pros nossos dias (mesmo com assuntos um pouco mais pesados como esses). é muito legal saber que você tem curtido as lives e que a gente conseguiu tirar você um pouquinho da sua dor. força, que vai dar tudo certo, viu? tenha certeza que a gente tem um carinho enorme por você ❤️

  3. Mônica  em junho 02, 2018

    O tema “liberdade” é sempre complexo né? Mas acho que vale a pena o debate.
    Não sei se conseguiria ler o livro porque sempre sou muito sensível com essas coisas (se tem gente sofrendo eu já nem me arrisco), mas me parece ser muito marcante… North Korea é tenso! Mesmo assim vou deixar anotado aqui pra ler, quem sabe um dia. Acho que essas história de sobrevivência, apesar de quase sempre serem muito pesadas, merecem o esforço de leitura 🙂

    • Maki  em junho 11, 2018

      eu acho que a gente sempre pode olhar pra isso como uma forma de entender mesmo como essas pessoas pensam, sabe? foi muito louco ver como a cabeça dela funciona e o que acontece quando ela entende que não consegue viver na Coreia do Norte. vale a leitura mesmo, mas é aquela coisa: só leia se você se sentir confortável!

  4. Paloma  em maio 31, 2018

    Bem legal sua resenha! Eu fiquei muito surpresa também quando ela chega na Coréia do Sul e percebe que mesmo lá ela tem que mudar que também não é bem aceita por ser quem ela é. Tem muito para refletir nessa história.

    • Maki  em maio 31, 2018

      não é? é uma doidera sem fim isso. porque ela chega lá achando que tá livre, que agora sim ela pode viver tranquila, mas isso não é verdade.

  5. Bia Fonseca  em maio 30, 2018

    A escolha do título para o Clube este mês foi certeira! Essa reflexão sobre liberdade também foi um dos caminhos que tomei durante e após a leitura do livro. Terminei meio que confirmando que liberdade é um conceito histórico e social, mutável, e algo pelo qual nós sempre devemos lutar, pois ela nunca nos será dada de mão beijada. Além da total falta de liberdade, experimentada por Yeonmi, e que sabemos ser a realidade de muitas pessoas mundo a fora, diversas são as armadilhas na qual qualquer um de nós pode cair e facilmente abrir mão – ou termos arrancada mesmo – de algo tão imprescindível para a concepção de um cidadão nos dias de hoje.
    Aproveitei o seu espaço para fazer um pequeno monólogo sobre o livro, pois infelizmente, não poderei participar da live este mês. Beijo!

    • Maki  em maio 31, 2018

      Bia, esse livro é muito incrível, né? eu fiquei muito chocada com o quanto ele é legal! e é muito maravilhoso a gente poder conversar sobre isso e perceber que liberdade é algo que vai muito além de culturas. porque toda cultura tem a sua própria prisão mental. é uma questão da gente aprender a tirar da nossa cabeça o que não é verdade, o que não é real, pra poder viver essa liberdade.

      • Bia Fonseca  em junho 02, 2018

        Sim! Totalmente! E me surpreendeu positivamente também pois não tenho o costume de ler autobiografias.

  6. Amanda Rodrigues  em maio 30, 2018

    Que publicação maravilhosaaaa 💕

    • Maki  em maio 31, 2018

      hehe <3 que bom que você gostou! ❤️