cotidiano

um dia, me falaram sobre uma trava. era tipo uma porta que eu mantinha sempre fechada, trancada, lacrada. com sete chaves e um cadeado enorme. eu fazia parecer que perdi a chave há muito tempo, mas era mentira. era mentira porque eu levava o molho inteiro em uma corrente no pescoço.

 

a corrente pesava também. assim como a tal trava, ela deixava os meus movimentos lentos, mas automáticos. sempre prontos para reagir de um jeito que, lá no fundo, eu não gostava. é uma arma, e o meu dedo tá sempre no gatilho.

eu tranquei a porta e esqueci que ela tava ali. e a sensação que eu sempre tive é que tudo ficava superficial. tudo era uma grande conversa de elevador e eu parecia dispensável, rejeitável, lamentável. eu reclamava dia e noite que a minha vida parecia medíocre comparada aos demais, e era mesmo. era porque eu escolhi assim. porque a trava, fui eu que coloquei. eu que tranquei as portas, eu que desejei não olhar mais para o molho de chaves no pescoço, mas me queixava sempre da dor que sentia no peito por causa do peso.

um outro dia, alguém me lembrou que a dor era a corrente pesada que batia no peito toda vez que eu andava. que deixei ali por tanto tempo que a pele tava machucada e as chaves, enferrujadas. eu achei válido tirar uma chave e destrancar um dos fechos. mas uma só. tirar tudo de uma vez era demais.

outra hora, mais alguém me perguntou porque eu continuava carregando o molho no pescoço e porque a porta continuava trancada, sendo que eu lembrava agora que ela tava ali. ‘eu tenho medo do que vai acontecer se ela sumir’, eu disse.

‘o que vai ser de mim sem essa porta? sem as chaves? sem o cadeado?’ até que uma hora me lembraram que a minha vida ia continuar na superficialidade até eu decidir tirar tudo aquilo de lá. na verdade, até me mostraram que eu tava apegada a uma porta sem paredes, que ligava nada a lugar nenhum. e eu achando que ela me mantinha escondida do resto do mundo.

então eu decidi. que era hora de tirar as chaves do pescoço. de destrancar as trancas e abrir os cadeados. de deixar a porta sumir como num sonho. de ir mais fundo, de olhar no olho e querer saber. saber quem eu sou, o que eu vim fazer aqui e como eu posso ajudar. sem educação dessa vez, sem polidez disfarçada, mas cheia de vontade de lembrar o outro que ele tá cheio de chave no pescoço também.

a trava me dizia que eu precisava tentar agradar todo mundo, me encaixar, ser aceita, ser legal. me dizia que eu tinha que me vestir de um jeito e agir de outro pra ser querida. que eu tinha que ter o tênis da moda e o celular top de linha pra ser amada. que eu precisava de muitos seguidores e milhares de likes. que eu não podia fazer declaração de amor sem pensar em receber uma de volta. que eu tinha que esperar ser amada sem amar o outro de verdade. sem travas, sem limites, sem medo.

agora a porta tá aí. destrancada. e com uma frestinha aberta. no fim das contas, não tem nada me impedindo de fazer o que eu tenho vontade que não um pedaço de madeira imaginário, que eu cismei que era de verdade. e até as marcas no peito, são só um engano da visão. se eu olhar direitinho, não tem nada ali também.

chutar a trava pra longe é uma escolha minha.

ainda bem, então, que eu decidi finalmente chegar com os dois pés na porta.

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Escrito pelaMaki
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4 Comentários
  1. Erika/SP  em dezembro 29, 2016

    Oi Maki! Passando aqui pra te desejar um 2017 muito melhor do que foi este ano, com muita saúde, paz, amor e luz! Adorei conhecer seu blog este ano e saber mais sobre você, mesmo não te conhecendo pessoalmente! 🙂 Quem sabe um dia a gente não se “tromba” na Paulista???? rs Ótima passagem de ano pra vc!!! Beijocas mil! 🙂

    • Maki  em dezembro 31, 2016

      um 2017 maravilhoso pra você também, Erika! ♥

  2. Aline  em dezembro 29, 2016

    Oi Maki, tudo bem?
    Que post bonito, sabe? É muito bom ver que com o tempo essas trancas que a gente coloca para não ver o que tem do lado de fora podem ser abertas e a gente se libertar! Eu ainda preciso me libertar de alguns cadeados, então dá um quentinho no peito ver que há um monte de coisas boas do outro lado me esperando!

    Um beijo e bom ano novo!

    • Maki  em dezembro 31, 2016

      claro! só tem coisa linda do lado de cá, juro! <3