rotinas com afeto

acho que você lembra que, em fevereiro, eu estudei a vida e a obra de Shakespeare para o clube navegantes. e, enquanto lia sobre a vida dele, me deparei com uma informação interessante: entre sair da sua cidade natal de Stratford-upon-Avon e ir para Londres, ninguém sabe dizer o que Shakespeare fez da vida, onde estava ou no que trabalhava. os historiadores chamam essa época da vida dele, entre os anos de 1585 e 1592, de “The Lost Years”, ou seja, os anos perdidos.

eu achei essa informação muito interessante porque quando a gente fala de um grande escritor, ter um período chamado de The Lost Years parece muito misterioso e místico. dá vontade de pesquisar o que ele tava fazendo nesse tempo e, pelo amor de Deus, como assim ninguém sabe onde o cara tava? como é possível ele ter sumido do mapa por 7 anos?

uma bela vista de um dos meus dias perdidos

vou fazer uma comparação bem ousada por aqui e dizer que é mais ou menos a mesma coisa com Jesus Cristo (sim, vamos trazer o JC pra conversa). porque não deixa de ser, né? uma hora ele tava lá, pré-adolescente, já falando umas coisas que deixava todo mundo meio doido das ideias, desafiando meio mundo com uma visão totalmente diferente das coisas… corte seco, o cara tem 33 anos e tá operando milagres por aí. quer dizer… o que ele fez nesse tempo todo, gente? você não não tem curiosidade de saber?

eu sinto que tem alguma coisa aí, sabe? não no sentido de teorias da conspiração que duvidam da identidade das pessoas (como acontece com o Shakespeare). mas no sentido de que se até os grandes tem a sua cota de anos perdidos, que dirá a gente, pessoas comuns?

a tecnologia trouxe muita coisa boa pra gente, não dá pra negar. mas também trouxe muita coisa complicada e uma delas é a ideia de que a gente tem que ser produtivo o tempo inteiro, todo o tempo. se você não tá trabalhando, alguém com certeza tá, e isso tem que ser combustível pra você voltar a trabalhar também. é aquela história do “trabalhe enquanto eles dormem” – se é que tem alguém dormindo, como eu vi alguém comentar em um reels um dia dessas (perdão, moça, não lembro o seu nome, mas se você ler esse post, por favor, se manifeste).

nessa loucura toda que eu tenho vivido, eu sinto que estou passando por um momento de anos perdidos. não que o que eu tenho feito agora não é válido, mas porque a minha vontade é de sair do radar por um tempo pra me permitir entrar em contato com o que eu mesma penso, sabe? é tanto estímulo o tempo inteiro que eu sinto que já não sei mais o que eu realmente penso sobre mim e sobre as coisas e o que são opiniões e ideias compradas de outras pessoas que eu vejo falando por aí.

tipo, será que eu tomo leite de amêndoas porque eu realmente quero leite de amêndoas ou porque eu ouvi alguém falando alguma coisa que envolvia a agropecuária e o veganismo e falei “vamos nessa, agora só tomo isso”?

peguei um exemplo qualquer, mas acho que é uma pergunta tão válida quanto “o que eu quero fazer da minha vida????”, porque eu percebi que tanto no primeiro, quanto no segundo caso, eu não sei a resposta.

e não saber me dá um medo danado, por mais que eu veja a contradição de temer aquilo que você não conhece. (mais uma pergunta: se eu não conheço, como é que eu vou ter medo? e não me venha com aquela resposta pronta do ‘o ser humano tem medo do desconhecido’, porque é tão contraditório quanto.)

lendo Pense Como um Artista, do Will Gompertz, eu me deparei com uma ideia que também deixou uma pulguinha atrás da orelha: a de que verdadeiros artistas fazem perguntas. ele diz que o método socrático é essencial pra criatividade gerar ideias consistentes e que, de fato, agreguem valor.

[a técnica de Sócrates], hoje conhecida como o método socrático, baseia-se em não pressupor nada e questionar tudo em busca de verdades absolutas. […] os problemas – ou seja, questões que precisam de uma solução – estão no cerne da criatividade, porque nos obrigam a pensar. quando pensamos começamos a questionar, e questionar é imaginar. imaginar é conceber ideias, e conceber ideias é a base para a criatividade.
– will gomperetz, pense como um artista

o macro vs. o micro

essa frase do Will me fez pensar muito sobre os conceitos de macro e micro que, na minha opinião, se relacionam diretamente com a história dos anos perdidos. a gente tem um costume de olhar pro resultado final (o macro) e não pro processo que fez alguém chegar nesse resultado (o micro).

daí, ter um dia ruim faz a gente pensar que tem uma vida ruim porque o resultado daquele dia não foi uma vivência 100% produtiva, realizadora e tudo de bom. o que eu tenho percebido é que um dia ruim, muitas vezes, só abre os nossos olhos pras coisas maiores que fazem a diferença no nosso macro. sei lá, o Shakespeare ficou sumido uns anos, isso não significa que ele teve uma vida insignificante ou ruim. pelo contrário. o cara tá aí, 600 anos depois, como um dos escritores mais influentes e inspiradores do mundo.

pois é.

tudo isso me fez pensar também no meu conceito de sucesso e como, talvez, a gente deva rever com mais carinho essa noção tão tóxica. até lembrei da Elizabeth Gilbert, que fala sobre isso não só naquele TED famoso que ela fez (muitos) anos atrás, mas também no livro Grande Magia.

você pode medir o seu valor pela sua dedicação ao processo, não pelos seus sucessos ou fracassos.
– elizabeth gilbert

e acho que o ponto é exatamente esse. a gente deixa os nossos anos perdidos definirem o nosso valor, quando a verdade é que ninguém sabe muito bem o que tá fazendo por aqui 90% do tempo. mas encontrar o valor no processo, nos momentos de introspecção ou de alto compartilhamento é o que faz a diferença e transforma qualquer “ano perdido” em uma parte do processo criativo, tão válido e tão importante (se não mais) quanto o resultado do processo em si.

e, honestamente, se Shakespeare deu um perdido em todo mundo lá atrás, o que impede a gente de fazer isso agora, de vez em quando, pra organizar os pensamentos, re-centralizar os chakras, sossegar a cabeça é só existir por um tempo? as urgências, eu tenho visto, são bem menos urgentes do que parecem na minha mente e a única pessoa cobrando prazos irreais sou eu mesma.

talvez seja hora de parar.

então, um brinde aos nossos anos perdidos. que sejam muitos, mas que sejam belos e prazeirosos. quem sabe, lá pra frente, a gente consiga ver com mais clareza o que eles significaram pra gente. até lá… melhor curtir o que tem pra hoje. mesmo que seja um total de zero vontade de fazer coisa alguma.

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Escrito pelaMaki
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7 Comentários
  1. Ana Valéria  em agosto 18, 2022

    Caí aqui de paraquedas, fazendo pergunta pro google e tive a sorte de encontrar esse blog, e cá estou eu lendo texto por texto. Meninaaaa você arrasa! Como suas palavras caíram como luvas no atual momento que estou vivendo. Vou parar agora de olhar somente a MACRO da minha vida, eu ainda tenho um infinito de coisas ainda pra fazer e pouco a pouco conquistar o muito.

    • Maki  em setembro 18, 2022

      Ana, eu fico tão feliz de saber que esse post te ajudou!
      brigada por ter comentado, mesmo!

  2. Larissa Caetano  em maio 09, 2022

    Aí Maki, como eu te amo. Parece que eu sempre caio nos seus posts quando minha vida se encaixa perfeitamente com o que vc tá falando. Amei seu texto.

  3. Evelin  em abril 22, 2022

    É interessante pensar o que a gente define como ano perdido, não progredir profissionalmente é o que vem a mente, mas talvez o ano “perdido” na vida profissional, foi o ano que você conseguiu progredir outras áreas da vida como relacionamentos (com amigos ou consigo mesma) e vice-versa.

  4. Camila Faria  em março 03, 2022

    Maravilhoso Maki. De repente a gente PRECISA mesmo desses anos perdidos. Vai vai que são eles que vão estruturar toda a nossa existência, amei essa linha de pensamento.

    (e, nossa, agora estou encucadíssima com esses 7 anos “perdidos” do Shakespeare, hahaha)

  5. Marina Menezes  em março 02, 2022

    Maki, que interessante isso do Shakespeare, jamais iria imaginar! Como você disse a gente tem a tendência em imaginar o macro das coisas, e pra mim esse é um dos caras que eu penso que estava o tempo todo escrevendo, tendo ideias geniais e já publicando o primeiro rascunho porque nada precisava ser melhorado na obra dele hhahaah

    Sabe do que me lembrei enquanto lia seu post? Li a biografia do Leonardo da Vinci uma vez e um dos pontos que o autor trazia era justamente que a vida pessoal dele era um mistério. Temos acesso a todas as obras dele e tals, muitos dados e coisas que ficaram guardadas mostrando que ele era um cara que desistia das coisas e deixava pela metade, mas o que de fato ele pensava, o que imaginava, como vivia, é tudo mistério. É como você disse com os anos perdidos do Shakespeare e até de Jesus, o que será que esses caras faziam nesse tempo? Tenho pra mim que talvez tivessem tirado um tempo pra descansar e botar a cabeça no lugar, mas vai saber. Só sei que é reconfortante pensar que até mesmo esses caras não atingiam o ideal de perfeição que a gente imagina

  6. Emerson  em março 02, 2022

    Que legal esse tema! Gostei bastante! Que possamos dar valor à tudo em nossa vida, pois tudo tem sua importância.

    Boa semana!

    O JOVEM JORNALISTA está em Hiatus de verão de 18 de janeiro à 04 de março, mas comentaremos nos blogs amigos nesse período! Mesmo em Hiatus, o blog tem um post novo. Não deixe de conferir!

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