quando eu falo que escrever um diário mudou a minha vida, eu gostaria que fosse um exagero. mas não é. o nível de clareza e de conforto emocional que eu sinto todas as vezes que completo mais uma página é uma das coisas mais gostosas da minha rotina atualmente, e acho difícil abandonar o hábito por enquanto (afinal de conta, as coisas mudam, né?).
se você é uma das pessoas maravilhosas que acompanha esta página há algum tempo, já deve ter visto um ou outro post que eu escrevi por aqui sobre esse assunto – afinal, escrever diários é uma das bandeiras escritas que eu mais levanto por aqui. e se você é um recém-chegado (bem-vinde!), eu espero que você se sente confortavelmente na sua cadeira, com uma xícara de café na mão (ou chá! também aceitamos chá por aqui!), pra entender um pouco melhor o efeito que a essa auto-escrita teve na minha vida.
eu me lembro de escrever diários desde pequena. tentava inúmeros formatos, enchia as capas dos meus com colagens de Sakura Card Captors e papel contact mal aplicado e até tentei escrever em outras línguas, às vezes, numa tentativa de deixar os meus segredos bem guardados – tenho certeza que falhei miseravelmente nisso tudo, mas vá lá, vou me dar o benefício da dúvida.
de qualquer maneira, quando pequena o objetivo era só ter algum lugar pra falar as coisas que eu achava que eram importantes pra mim. o que acontecia na escola, as brigas com a minha melhor amiga da época, até sobre o meu primeiro amor. eu fantasiava com o romance dos filmes, sonhava em conhecer o mundo e falava sobre as coisas complexas (a meu ver) que eu sentia.
depois de um tempo, eu troquei o papel pelo computador, e os blogs viraram meu diário. eu tive um livejournal e um site cheio de firulas que não tinha outro objetivo senão abraçar os meus dramas adolescentes. tinha um fotolog também, onde eu deixei registrada toda a minha fase emo. enfim, independentemente da plataforma, eu sempre encontrei um jeito de falar do que eu sentia e, querendo ou não, sentia que isso tinha um efeito.
corta pra alguns anos atrás (três ou quatro, se não me engano), eu conheci o livro O Caminho do Artista, da Julia Cameron. na época, eu tava muito empenhada já no bullet journal e retomava esse contato com o papel aos poucos. a Julia propõe um exercício que eu amo também, as páginas matinais: escrever três páginas à mão, com tudo o que vem na cabeça. foi aí que a visão de um diário começou a mudar pra mim.
entre indas e vindas, eu faço páginas matinais desde então. no ano passado, quando a pandemia começou, senti que se não retomasse o hábito de escrever com consistência, eu ia me sentir muito sobrecarregada por tudo o que sentia. eu precisava de um lugar pra desabafar. então, fiz um pequeno projeto pessoal que chamei de Projeto Austin Kleon: escrever 10 minutos por dia no diário e transformar o que eu escrevi em alguma coisa pra internet. foi um projeto silencioso e que me ajudou muito a retomar o hábito. hoje, as páginas matinais são tão parte do meu dia que esquecer delas é quase impossível.
e é diferente de quando eu era criança também. hoje, não estampo o meu próprio caderno com imagens que amo por pura preguiça (ah, ser criança e não ter que pensar em boletos!), mas uso um caderno liso e uma caneta que eu gosto. os dois ficam do lado da cama e a única coisa que faço antes de começar a escrever de manhã é ir ao banheiro. não escrevo mais tanto sobre as coisas que acontecem nos meus dias, mas insights que tenho, sonhos que eu tive durante a noite, conversas que me marcaram. escrevo sobre alguns acontecimentos, sim, mas escrevo também muito sobre coisas que eu gostaria de fazer. acho que esse é o ponto principal.
às vezes, se não tô com muita coisa em mente, falo sobre o que eu tenho na minha lista de tarefas praquele dia. tem vezes que descrevo ambientes ou começo histórias que me vem na mente. eu escrevo de um jeito que considero bem livre. não me preocupo com a estética da minha letra, nem se tô escrevendo reto nas linhas e, principalmente, não penso que aquilo vai ser postado em algum lugar (por mais que, de vez em quando, eu faça umas fotos do meu diário pro Instagram).
o tempo e a quantidade de páginas varia um pouco, mas hoje em dia devo escrever por uns 20 minutos, o que rende duas páginas, em média. às vezes, me permito ir até a terceira página. outras, paro em uma página e meia. esses dias têm sido difícil acordar na hora (amo o inverno, mas e a preguiça de levantar da cama?), então, tenho parado nessa marca mesmo.
eu vejo meu diário como um ótimo lugar para ter ideias ruins. eu digo a ele tudo o que não deveria falar para as outras pessoas, especialmente aquelas nas redes sociais. (…) você tem um espaço privado para ter os seus próprios pensamentos –
Austin Kleon
muita gente acha que fazer um diário “depois de grande” não tem muito sentido. eu discordo com cada célula do meu corpo. e tenho o apoio (metafórico) do maravilhoso Austin Kleon, muso máximo desta que vos escreve, um defensor ferrenho de escrever diários como parte do processo criativo. tem a própria Julia também, que não fala especificamente em diários, mas a gente sabe que as páginas matinais são quase isso. Joan Didion. Virginia Woolf. Franz Kafka. enfim, eu posso passar o dia inteiro citando grandes nomes da literatura e das artes e do que mais interessar que mantiveram um diário por décadas (alguns até viraram livros, lembra do Marco Aurélio? e da Anne Frank?).
o que eu aprendi ao escrever um diário
acho que já deu pra entender que eu sou fã de diários, né? mas, voltando ao título desse post, eu acho que o principal motivo de eu ter um diário hoje é o quanto essa prática de escrever à mão (sim, nada de computadores, telas ou teclas na hora de escrever o meu!) me ajudou a mudar forma como eu me vejo.
eu sempre fui do time que levava os próprios pensamentos muito a sério. principalmente os que eram ruins. mas eu percebi que, jogando toda essa porcaria mental no papel, ela perde força e tamanho. aos poucos, comecei a usar muito as minhas páginas matinais pra explorar coisas que eu pensava e ideias que eu não gostava sobre mim, me perguntando se aquilo era verdade mesmo. se eu percebesse uma insistência, pedia ajuda a quem podia me ajudar (a página, infelizmente, não me responde). mas eu sentia que ali podia falar qualquer coisa, sem que isso me causasse qualquer desconforto, afinal, um caderno não me julga (a página, felizmente, não me responde!).
eu senti que a criatividade, essa amiga temperamental, gostou muito quando eu peguei o hábito pra valer. você pode não saber disso (mas talvez agora saiba!), muitas coisas que eu escrevi no meu caderno viraram posts pro blog ou conteúdos pro Instagram.
eu senti a mente mais clara também, o que significa que quando eu saía do caderno e começava o meu dia, tinha uma camada a menos de nuvens cobrindo a minha visão. ficava mais fácil me concentrar no que era necessário. e, sim, eu to considerando a pandemia e o fato de que nas últimas semanas eu tive uma crise criativa, em que nós duas paramos de conversar por qualquer motivo (mas, calma, tá tudo bem, a gente até já fez as pazes!).
escrevendo as coisas que tinham na minha cabeça, qualquer coisa, qualquer pensamento, por mais idiota ou sem sentido que fosse (o tanto de vezes que eu eu escrevi “não sei o que escrever aqui hoje”…), fez com que eu me olhasse com mais paciência. ter a certeza de que aquelas páginas são só pra mim, pra mais ninguém, me deu um sossego e uma segurança de depositar na página inseguranças, medos e pensamentos que eu acreditava serem feios e errados, que me tornavam uma pessoa ruim e indigna de amor.
olha só o absurdo, né?
e por mais doido que isso seja, escrever sobre essas coisas me ajudou a perceber o quanto isso é, de fato, absurdo, e eu fui atrás, mais de uma vez, de entender algo que tinha surgido no meu diário primeiro com quem pudesse me ajudar. tem sido um procedo muito bonito, mesmo.
eu, que passo o dia inteiro escrevendo pros outros (ou quase isso!), descobri que escrever pra mim, sem qualquer pretensão, estética ou necessidade de monetização (porque tem isso também, né? sistema doido esse que a gente vive) me deixou mais solta pra escrever de um jeito que eu amo.
e, vou falar uma coisa, é bem possível que o blog não tivesse os posts incríveis que você vê por aqui nos últimos seis meses se não fosse por esse processo. ele foi essencial pra que eu descobrisse o que eu queria, de fato, fazer com esse espaço (e tem me ajudado muito a entender o que eu quero pra minha vida).
não sei se ficou claro, mas o meu objetivo com tudo isso é mostrar porque escrever é tão importante pra mim e como a escrita é uma ferramenta muito poderosa de autoconhecimento. já encontrei outras maneiras de falar sobre isso por aqui, mas senti que precisava colocar um pouco mais da minha experiência sobre o assunto.
enfim. você também escreve um diário? e você sente que tem ajudado? como? quero muito saber o seu lado nos comentários também. me conta?
ah, por último, mas não menos importante: um muito obrigada pra todo mundo que faz parte do clube de escrita desancorando. esse mês, vamos ler juntos Siga em Frente, meu livro favorito do Austin Kleon, e tem sido maravilhoso poder compartilhar esses prazeres criativos com tanta gente legal!
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16 Comentários
escrevo desde sempre. um dia alguém descobriu/leu um dos meus diários e cobrou-me por isso. passei para o computador, sempre em formato anónimo para que o pudesse fazer sem (mais) cobranças. parei um tempo com a ‘febre do instagram’ mas às vezes, condicionada pela ausência da foto-perfeita e a teimosia do perfeccionismo, acabava por não escrever. voltei ao blog de onde tenciono não sair
já quis fazer dinheiro, ser ‘famosa’, mas a honestidade e o anonimato (felizmente) falaram mais alto e cá continuo. hoje identifiquei-me com o seu texto de não resisti a comentar. Parabéns
obrigada por não ter resistido! fiquei muito feliz com o seu comentário, mesmo! ♥︎
Olá! Espero que esteja bem! 🙂
Conheci seu blog no site difluir.com e já adicionei nos favoritos!
Confesso que “todo dia estou começando um diário” ou algum projeto do tipo desde final de 2019 e estamos aqui na, metade de 2021, no máximo respondendo postagens em blogs, hahaha. Primeiro, eu ficava sem graça porque “meu deus olha esse bullet journal todo lindo e decorado, com lettering nunca vou conseguir igual” (sendo que nem precisava), mas no fundo acho que era só preguiça mesmo. Mas tenho lido demais sobre escrita e tal, acho que virou até recomendação! Tentarei tentar. 😀
Até!
andrea, eu espero que você consiga!
e seja gentil com você, a gente tá sempre tentando e nem sempre conseguindo, né?
eu passo muito por isso (se você olhar o meu bullet journal agora, minha nossa, vai entender do que eu tô falando!)
adorei saber mais da sua história com os diários, é inspirador demais ver sua relação com a escrita. já te contei em outro comentário que minha relação com a escrita era conturbada até pouco tempo atrás, então apesar de achar a ideia de escrever um diário super romântica (meu sonho era ser como a Mia de diário da princesa) eu nunca tinha feito até a pandemia. em meio ao caos do mundo eu comecei a ver vários vídeos de lifestyle no youtube e reparei que muitas youtubers falavam do tal do journaling e resolvi tentar, posso dizer que não me arrependo. escrever um diário (na época um caderninho com uma estampa questionável que eu fiz questão de pintar meses depois) me tornou mais confortável com a escrita e com meus pensamentos. precisava de um lugar para contar tudo o que estava acontecendo comigo e se passando dentro da minha cabeça. hoje eu não escrevo todos os dias porque não vejo necessidade, acho que aprendi a lidar melhor com esse novo normal, e sim escrevo a cada uns dois dias e faltam só algumas páginas para acabar um caderno. dá uma satisfação em ver todas a sfolhas preenchidas com caneta preta, mal posso esperar pela satisfação de iniciar um outro caderno em branco, já estou até namorando o caderno de constelação da meg&meg para servir como meu diário nos próximos meses!
cara, é muito louco isso, né? se você pensar, tudo o que aconteceu é você começou a escrever coisas que pensa no papel. mas isso tem um efeito e é tão gostoso, né? vira mais uma ferramenta na sua caixinha pra usar quando precisar desabafar e clarear a mente! (e menina, fiquei curiosa com esse caderno, vou xeretar no site, porque o meu tá quase acabando e já preciso de um novo!).
Eu não escrevo um diário faz muuuito tempo, mas esse post me lembrou de como era terapêutico passar alguns minutos escrevendo só pra mim. Acho que vou voltar a esse hábito!
aaaaaa Beatriz! que legal saber disso! depois me conta de deu certo?
Aí Maki, que post maravilhoso!!! Tbm tive a fase de tentar escrever um diário de vários jeitos kkkk por ser muito mais introvertida na infância, meus caderninhos eram a melhor companhia pra desabafos. Voltei a praticar as páginas matinais e tô amando. Quero muito voltar a escrever um diário também❤️
ahhhhhhhhh Malliaaaaaa!
depois me conta mais da sua experiência? amo saber sobre como as pessoas lidam com diários e escrevem nos seus! e é uma prática tão boa, né? meus caderninhos também sempre foram meus melhores amigos. amo tanto <3 <3
Eu também faço diários há um tempo e simplesmente amo saber a forma como outras pessoas se relacionam com isso. Amei saber do seu projeto silencioso. Talvez eu me inspire nele para me ajudar a voltar a escrever todo dia. Ainda preciso me soltar mais ao escrever mas ainda me censuro um pouco. Rsrs. eacrwver todo dia.
ahhh Anna, isso é super comum, sabia? não se preocupe! a gente tem muito receio de escrever livremente, mesmo que seja só pra gente mesma! coisa doida, num? espero que você tenha seguido em frente com a sua ideia de projeto silencioso!
Oii!
Seu post me inspirou a escrever meu diário, acho que vai me ajudar muito!
Bjs
Mari! <3
ahhhh eu espero que tenha ajudado e que você tenha conseguido começar o seu diário! depois me conta como foi?
beijos!
Eu sempre fui meio contra diários, sempre achei “perda de tempo”, o que se for parar pra pensar é uma loucura já que eu sempre fui adepto do papel e caneta, mas sei lá, acho que crescer com esse machismo besta de que diário é coisa de menina me afastou dessa prática, mas conhecendo o BuJo eu comecei a repensar essa prática e foi graças a um post seu, não lembro se foi aqui no blog ou no insta, mas lembro que tu comentava sobre as páginas matinais e eu comecei a fazer, nem sei quantas vezes eu comecei as páginas me justificando sobre o por que de estar fazendo aquilo ou explicando pra mim mesmo o objetivo das páginas e todo o conceito por trás delas… Foi bem dificil no começo, mas com o passar do tempo se tornou natural. Hoje em dia eu não faço mais as páginas matinais, mas sempre que os pensamentos ameaçam tomar contar eu tiro um tempo, seja a hora que for, pra colocar tudo no papel, acho que essa ideia de escrever pelo simples prazer de escrever, de limpar a mente, sem julgamentos ou preocupações secundárias é que me faz gostar tanto de ter um diário, mesmo que ainda não seja um com entradas diárias e talz. Mas eu sinceramente só tenho a agradecer você e seus textos por terem derrubado preconceitos e me ensinado essa prática maravilhosa. Obrigado mesmo.
aaahhhh meu deeeuuuuuuuus!!!
o que eu faço com um comentário desses? brigada por isso, Drugue! sério! nem sei o que dizer.
mas é isso, escrever no papel é uma coisa tão simples, mas tão poderosa, né? tipo, é muito doido como você colocar pensamentos numa folha de papel muda a sua forma de lidar com o dia, com o seu entorno, até com as pessoas. fico muito feliz que consegui te ajudar a mudar de ideia sobre diários e topar fazer esse exercício! que coisa legal! <3