escrita criativa

um dia, eu prometo escrever um texto nessa página que não cite Romancista como Vocação, do Murakami – só que não vai ser hoje! tem uma frase dele que me persegue desde que terminei de ler esse livro no mês passado. ela diz o seguinte:

acho que não mudei muito a minha postura básica de escrever para me sentir bem.

pois é, quando eu digo que o Murakami me representou absolutamente com esse livro, eu não tava brincando. porque é sobre isso. já falei muitas vezes sobre porque eu escrevo por aqui – inclusive, tem algumas semanas que escrevi exatamente sobre esse assunto -, mas a ideia é levar o tema um patamar abaixo, é aprofundar a nossa relação com a escrita com um pouco mais.

o ponto que quero trazer vai parecer óbvio e talvez até um pouco desconectado com a citação do Murakami, mas fica comigo que tudo vai fazer sentido, tá bom?

escrever para você e escrever para alguém são a mesma coisa.

porque você é alguém.

ou tô errada?

eu demorei muito tempo pra entender que escrever pra uma pessoa fictícia que eu não conhecia era muito difícil. eu admiro quem consegue, de verdade, porque é uma missão hercúlea pra mim. e, como jornalista, é algo em que trabalho todos os dias, porque o foco é o leitor da publicação para a qual eu escrevo – e que não necessariamente sou eu.

por aqui, a história fica mais simples. porque eu entendi que se eu escrever pra mim mesma, analisando as minhas dificuldades, o que eu sei fazer, o que eu tô pensando, o que vem na minha mente, eu com certeza vou encontrar alguém que se identifica com o que eu tô escrevendo.

é um caminho que parece quase inverso, mas é muito mais simples, a meu ver.

no fim de semana eu tava escutando um podcast do Tim Ferris com a Elizabeth Gilbert (um dia prometo escrever um texto que não cite a Liz também!) em que ela falava sobre Comer Rezar Amar e como ele surgiu de um exercício que ela fez quando ela mesma passou pelo livro O Caminho do Artista (!): as páginas matinais (!!!). pois é, a Liz Gilbert faz páginas matinais e eu acabei de fazer uma pequena dancinha da vitória com gritinhos agudos pra celebrar que fazemos algo em comum além de escrever.

continuando…

ela contou que toda a história de auto-descobrimento que acabou virando o livro Comer Rezar Amar começou numa investigação dela com ela mesma, nas páginas. ela percebeu que queria muito aprender italiano, por algum motivo, e decidiu correr atrás desse desejo curioso. o resto, a gente já sabe.

inclusive, em Grande Magia, ela explica como escreveu esse livro não pros outros, mas pra ela mesma, porque ela tava passando por um monte de coisa e esse monte de coisa acabou virando um livro quase que por coincidência.

se muita gente se identificou com isso, não é porque ela escreveu com esse objetivo. vou ter que dar o braço a torcer mais uma vez e trazer uma frase de Grande Magia pra cá também, uma que foi o próprio tapa na minha cara – e que eu tenho certeza que vai ser na sua.

você não precisa salvar o mundo com sua criatividade. sua arte não apenas não precisa ser original como também não precisa ser importante.

e esse é um ponto essencial. porque a gente quer fazer alguma coisa importante. no fundo, a gente quer escrever pra ser importante na vida de alguém, de certa maneira. eu mesma já me peguei nessa armadilha milhares de vezes, querendo mudar o mundo com a minha criatividade e escrita, como se elas fossem cristais maravilhosos que o mundo nunca viu.

bem, aí vai uma verdade dura demais para se ler rapidamente: o mundo já viu de tudo. sério. já viu mesmo.

Austin Kleon (e eu achando que ia terminar de escrever hoje sem falar do Austin – risos) fala em Roube como um Artista que nada que a gente vê quando se fala em arte e criatividade é novo. é tudo resultado de uma pessoa muito bem intencionada que estudou muita coisa e observou muito o mundo, e decidiu usar todo esse repertório para criar alguma coisa com a sua visão única e que parece novo – mas não é, porque você só não sabe quais são as referências contidas ali.

escrever pra si ou pros outros?

agora, onde é que a coisa toda amarra? numa outra citação da Liz em Grande Magia:

“suas próprias razões para criar bastam. ao simplesmente correr atrás do que ama, pode ser que você acabe inadvertidamente ajudando muito os outros.”

se não ficou tão claro assim, eu explico. escrever considerando o outro e puramente o outro é muito bonito em teoria, mas não conecta. pode ser que você tenha um ou dois textos que gerem algum tipo de ruído, alguma reação do público, mas o que vai gerar uma conexão verdadeira com quem lê é você escrever pra se sentir bem.

com a Liz é assim.

com o Murakami é assim.

com o Austin é a assim também.

(se você não lembra, Siga em Frente tem um prefácio em que o Austin diz que escreveu esse livro porque ele precisava lê-lo. e, bem, é o meu favorito de toda trilogia – agora você sabe o porquê.)

a Loma me falou muitas vezes sobre isso e eu sinto que tô tomando um belo hadouken universal quando fecho o ciclo e falo isso pra você, porque foi no momento que eu comecei a escrever pra mim e do jeito que eu gosto e que me faz bem que eu comecei a ter orgulho do que escrevo e mais gente começou a me falar a mesma coisa.

porque escrever pra mim é escrever pra você. e vice-versa.

mas a partir das minhas experiências, das minhas vivências, do que eu estudo e aprendo, do que me dá brilho nos olhos, eu encontro o combustível necessário pra colocar no papel o que eu to sentindo e isso encontra um ganchinho de rede (lembra dessa analogia?) aí do outro lado.

e sabe o que é mais bonito?

nem sempre a minha rede encontra um gancho, e tudo bem! porque o meu objetivo não é alcançar todos os ganchos do mundo, mas aqueles que se conectam (olha aí essa palavrinha de novo) de verdade com a minha rede.

na verdade, é até um pouco equivocado falar que eu espero isso, porque, enquanto escrevo, eu não espero nada. só quero expressar o que eu tô sentindo e pensando mesmo. o enganchar acontece por si só.

se tivesse que escolher entre escrever pra mim e escrever pra outro alguém, escolheria (e escolho) escrever pra mim todas as vezes. e mesmo quando são textos profissionais, eu busco entender como eu me conectaria com aquela questão pra, aí sim, colocar algo no papel que gere conexão. ela não surge do nada, sem que eu olhe pra mim primeiro, entende?

se eu tô entendendo bem tudo o que a Liliane Prata fala em O Mundo que Habita em Nós (e eu sinto que tô), nós já somos conectados por algo muito maior que palavras e textos e redes sociais. tem uma existência que vai daqui pra lá e de lá pra cá que é o nosso algo em comum.

ao escrever para mim eu alcanço você por causa desse algo em comum. acontece que muita gente não tem consciência disso, e acaba colocando no outro a responsabilidade por aquilo que faz. e isso, meu bem, não funciona.

as suas motivações próprias pra criar já são o suficiente. você não precisa querer salvar o mundo também. mas se a salvação veio porque você criou o que criou por causa das suas motivações próprias… então, que maravilha! mas querer salvar o mundo só com a força da sua própria criatividade e escrita é um peso grande demais pra carregar sozinho e, pobre criatividade, é compreensível ela se esconder da gente vez ou outra por causa disso.

parafraseando Murakami mais uma vez: escreva porque é agradável pra você. e as pessoas que se interessam pelo o que você tem a dizer e se veem refletidas e representadas por você aparecerão. é simples assim.

como sempre, antes de partir deixo aqui o agradecimento a todo mundo que faz parte do clube de escrita desancorando. obrigada por manterem o blog vivo e me darem a liberdade de estudar cada vez mais sobre escrita e criatividade pra trazer tudo o que aprendo de volta pra cá!

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Escrito pelaMaki
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14 Comentários
  1. laryssa andrade  em janeiro 08, 2022

    maki, o seu blog é muito especial para a minha vida <3 obrigada por estar aqui!

  2. Nanda  em junho 15, 2021

    Oi! Eu encontrei seu blog procurando por slow posting e acabei navegando por aqui. Obrigada por este texto. Hoje eu tomei uma decisão difícil sobre minha escrita e essa publicação me emocionou muito. 😍
    Muito obrigada!

    • Maki  em julho 05, 2021

      ai, Nanda <3 mandando um abracinho pra você! espero que essa decisão, apesar de difícil, tenha sido bora pra você!

  3. Emerson  em maio 26, 2021

    O texto fez muito sentido para mim. Tem lições valiosas.

    Boa semana!

    Jovem Jornalista
    Instagram

    Até mais, Emerson Garcia

  4. Vanessa Ferreira  em maio 05, 2021

    Olá! Faz tempo que acompanho o seu blog, gosto daqui e me sinto bem! Este posta veio na hora certa, pois desejo muito produzir conteúdo para a internet e desde o inicio da pandemia, comprei um dominio, instalei o sistema de post, fiz tudo lindo, e não tive coragem para escrever nada… hoje, ao ler o seu post, entendi o propósito deste trabalho e quero dizer que sou imensamente grata pelas suas palavras, que me revestiram de coragem e determinação para dar aquele ponta pé inicial. Desejo-lhe tudo o que há de melhor, saúde e muitas alegrias, conquistas e muita força, para o seu caminho que seja abençoada por sempre nos proporcionar textos ricos e tão íntimos. Gratidão! Um forte abraço!

    • Maki  em junho 14, 2021

      oi, Vanessa! ahhhhh que feliz ler tudo isso. muito obrigada mesmo por esse feedback tão incrível! é muito bom saber que eu tenho conseguido aceender pelo menos uma faisquinha de criatividade do outro lado da tela!

      e se um dia você quiser explorar outras formas de destravar esse medo de escrever, esse receio, te convido a fazer parte do clube de escrita! acho que você vai curtir muito, ó: https://apoia.se/makidemingo

  5. Lary Zorzenone  em maio 04, 2021

    Oi Maki
    Lindo seu texto. Acho que todos nós que produzimos, caímos vez ou outra nesse limbo de querer produzir pros outros. Pra mim, simplesmente não funciona. Sou muito transparente, dá pra ver claramente quando estou produzindo pra mim, ou pensando em outra pessoa. Claro que ficamos felizes quando outro alguém de identifica com o que produzimos, mas ler aquilo e saber que faz bem pra gente… não tem melhor sensação

    Vidas em Preto e Branco

    • Maki  em junho 14, 2021

      ai, Lary, é sobre isso <3

  6. Julie  em maio 03, 2021

    Oi, Maki.
    No outro comentário tu me disse pra publicar o texto que escrevi sobre a jornada da escrita afetiva, e no fim das contas ainda tá lá, meio sem terminar e já não sei se postarei (mas acho que vou, em algum momento). Fiquei com receio, só isso hehe.
    Mas o que eu queria comentar desse seu texto aqui é que eu tô tentando seguir isso. Pensar como a Liz Gilbert (preciso ler Grande Magia, eu sei) “você não precisa salvar o mundo com sua criatividade. sua arte não apenas não precisa ser original como também não precisa ser importante.”
    Essa frase, inclusive, é aquele baque que às vezes a gente precisa mesmo. Vou me concentrar nisso quando for escrever e até fazer outras coisas que implicam em me expor na internet (eu costumava fazer vídeos no youtube).
    Essa outra é excelente também “suas próprias razões para criar bastam. ao simplesmente correr atrás do que ama, pode ser que você acabe inadvertidamente ajudando muito os outros.”
    Então é, um treino todo dia, mas tem que ficar pensando nisso um pouco, porque se não acabo esquecendo o que realmente quero fazer. Ótimo texto, como sempre 🙂
    Beijo ♡

    • Maki  em junho 14, 2021

      ai, Julie, super te entendo, sabia? e concordo demais com tudo o que você falou aqui. eu sinto que é isso mesmo, a gente tem que ficar lembrando disso e é uma pergunta que eu me faço sempre. tem a ver com o que a gente quer colocar no mundo e não em, necessariamente, atender uma necessidade alheia, sabe?
      amei as suas reflexões (e espero que um dia você poste esse texto!!
      um beijo!

  7. Thamara Laila  em maio 02, 2021

    Nossa senhora, eu quase fiquei tonta de tanto que fiquei acenando com a cabeça concordando com cada palavrinha desse texto. É exatamente isso que acredito. E, se antes só estava na minha lista de desejos, agora minha próxima compra precisa ser esse livro da Murakami 🙂

    • Maki  em maio 23, 2021

      apenas leia, Thamara. sério. cê vai amar

  8. Bianca  em abril 29, 2021

    acho que a parte mais mágica de se conectar com a arte da outra pessoa é quando a arte em questão ressoa com você quando o artista nem estava tentando e sim só vivendo e se expressando. gosto de dizer que a senhorita taylor swift é mestre nisso, já passei por todas as emoções de um relacionamento sem sequer ter tido um, chega a ser surreal.

    • Maki  em maio 23, 2021

      Bianca, exatamente! é isso!
      e a Taylor é mestre nisso, sim. não é sem motivo que faz tanto sucesso, né?