cotidiano

Um dia, eu acordei e percebi que tinha um coração batendo no peito. Um coração saudável, bonito, vermelhinho, cheio de um brilho dourado tão bonito que dava vontade de chorar só de olhar.

Meu coração era tão lindo que eu tive vontade de mostrar pra todo mundo. ‘Olhem, olhem como meu coração é bonito, como ele bate com vigor, como ele ama!’, eu dizia. E algumas pessoas olhavam de relance, sem prestar muita atenção, outras ignoravam completamente o meu pedido.

você vai salvar o mundo

Eu estranhava, não entedia aquele desdém todo, até o dia que eu conheci uma pessoa e decidi dar o meu coração inteiro pra ela. Sem pensar duas vezes, eu o entreguei de bom grado, mas ela não gostou do presente. Pisou nele, deixou juntar poeira em um canto, xingou o meu coração que, aos poucos, ficou cheio de hematomas.

Eu, então, o peguei de volta e o enrolei em plástico-bolha, esperando que a próxima pessoa tivesse mais cuidado. Quando ela apareceu, eu entreguei meu coração de novo. Mas o plástico-bolha não foi o suficiente para as pancadas que ele levou, todas justificadas com um ‘você ama demais’. E eu entendi que não conseguia ser como os outros e amar em doses homeopáticas. Ou era tudo, ou não era nada.

Mas tudo bem, ainda assim eu achei que valia a pena. E peguei o meu coração machucado, o envolvi em mais uma camada de plástico-bolha e o coloquei dentro de uma caixinha, para proteção. A próxima pessoa teria que se provar digna para dar uma espiada que fosse.

E ainda assim, que azar! Eu mostrei o meu coração para ela e ela, sem nem pestanejar, deu-lhe uma facada. Que dor! Que dor! Como continuar vivendo assim? Como mostrar o meu coração para qualquer pessoa se ele estava sempre sendo atacado, diminuído, sempre à mercê de um mundo tão hostil e violento? Não, o mundo não merece ver o meu coração, que agora já não brilhava mais, que não batia tão vigorosamente, e que tinha medo de amar.

Peguei o sobrou dele, enrolei de novo em plástico-bolha. Coloquei numa caixinha. Coloquei a caixinha num baú. Fechei o baú com cadeados. E coloquei o baú em uma torre alta, cercada por árvores tão altas quanto, grades e arame farpado. E não deixei mais ninguém chegar perto.

Com o tempo, o meu coração se sentiu solitário. Sozinho.  E até mesmo parou de bater. E eu fiquei triste. Mas sabia que era melhor assim. O seguro morreu de velho, como diz minha avó. Então eu o deixei na torre. Seguro. Ali, não teria como ele ser machucado de novo.

Claro que, com o coração guardado a sete chaves, ficava difícil viver no mundo. Mas eu percebi também que todo mundo vivia assim – ou fingia, pelo menos – e que isso era normal. ‘Tenha medo’, me diziam. ‘Não confie em ninguém’. ‘Não se entrega desse jeito, você só vai se machucar’.

E eu, encolhida, criei esse lugar seguro pro meu coração. E deixei ele lá. E o sol perdeu o brilho. E os dias passavam num borrão. E levantar da cama era difícil. E amar era mais difícil ainda.

Um dia, meio que de surpresa, eu ouvi ao longe o barulho de alguém tentando cortar as grades que cercavam a torre do meu coração. E fiquei assustada. Gritei pra que parasse, que não podia, que era proibido. Mas esse alguém sorriu, me pegou pela mão e disse que tudo estava bem.

Eu senti medo. Quis correr. Mas a mão dessa pessoa era tão quentinha, o sorriso tão acolhedor, que eu me lembrei, por um milésimo de segundo, do brilho do meu coração.

A pessoa me disse que entedia todas as cercas e proteções, mas que, na verdade, elas não eram necessárias. E eu fiquei assustada quando ela mostrou que levava o coração preso na manga da camisa, à vista de todo mundo, sem proteção nenhuma.

Pensei que ela era louca. Mas ela me tranquilizou e disse que a Vida é assim mesmo. Com o coração à mostra, brilhando para todo mundo ver. O coração dela brilhava tanto que eu fiquei meio cega por um momento, não vendo nada além de pontos pretos.

Mas o brilho foi amenizando, me envolvendo, e cortando aos poucos toda a mata que levava até a torre. Quando chegou lá, implorei que não subisse. ‘Eu ainda tenho medo’, eu disse. ‘Eu não sei mais o que tem lá’. Porém, a pessoa só sorriu, me pegou pela mão de novo, e começou a escalar.

Chegamos num quartinho apertado, lá no topo, com o baú trancado a sete chaves. E, um a um, esse alguém foi tirando todos os cadeados de lá e me ajudou a recuperar a caixinha.

Dia após dia, essa pessoa me mostrou que o mundo pode ser hostil mesmo, afinal, eu aprendi a vê-lo assim. Todo mundo aprendeu. Porém, a visão da Verdade estava trancada dentro da caixinha junto com o meu coração que – veja só! – timidamente voltou a bater.

Você vai salvar o mundo’, a pessoa me dizia, vez após outra, sem cansar. Eu não acreditava. ‘Você vai salvar o mundo’, e o meu coração começou a responder, ele voltou a brilhar fraquinho. ‘Você vai salvar o mundo’, ela repetia e eu comecei a achar que talvez isso fosse possível mesmo.

Mas como, como eu vou salvar o mundo?’, eu perguntava – e ainda pergunto, inquieta. ‘Amando’, foi a resposta simples. E meu coração bateu tão forte que eu quase derrubei no chão de novo. Mas entendi que eu podia tirá-lo da caixinha, e talvez tirar um pouco do plástico-bolha pra que as pessoas pudessem vê-lo.

Eu ainda sinto medo, às vezes. Mas ele é tão irreal quanto o significado que dou para ele. Eu entendi que só vou salvar o mundo se salvar a mim mesma. E isso começa dando a chance pro meu coração. Deixando ele tomar a frente e cuidando dele. Assim como essa pessoa – e muitas outras – tem cuidado de mim.

Agora eu posso dizer, com força e confiança. Eu vou salvar o mundo. E sei que, nesse momento, meu coração bate forte, brilha um pouco mais, e eu sinto um calor tão gostoso que não quero nunca mais sair desse lugar quentinho e aconchegante.

E eu te estando a mão. E digo: você vai salvar o mundo. A única pergunta que você precisa responder diante disso é:

Você aceita?

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Escrito pelaMaki
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6 Comentários
  1. Rhayssa ferreira  em janeiro 13, 2016

    Ma, que texto maravilhoso! Eu senti o amor em suas palavras. Obrigada por estar comigo nisso, voce é insubstituível. te amo

    • Maki  em janeiro 13, 2016

      Obrigada por me lembrar <3
      Parceira pra toda eternidade. Te amo!

  2. Cláudia rosa  em janeiro 05, 2016

    vamos todos salvar o mundo!

    um dos textos mais lindos que li até hoje.

    obrigada.

    Beijinho <3

    • Maki  em janeiro 06, 2016

      vamos <3

  3. Da Prateleira  em janeiro 05, 2016

    Gente, que post mais ‘-‘ lindo <3
    aMEI O SEU BLOG <3

    Será que tem como você me ajudar e responder a pesquisa de público do blog? É rapidinho: http://goo.gl/forms/BdIk5DpDEl <3
    Já está participando da maratona literária com a gente? https://goo.gl/mbYFW2

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    • Maki  em janeiro 06, 2016

      Oi, tudo bom?
      Poxa, que legal, fico feliz que você gostou! Beijos!