cotidiano

Hoje eu quero contar uma história.

Tinha uma menina com uma imaginação muito, muito, fértil. Ela sonhava dia e noite com aventuras fantásticas, histórias de amor de derreter o coração e uma vida cheia de significados e missões nobres.

Mas ela sabia que, na realidade, a sua vida era medíocre. Mediana. Simples. Tudo o que ela via no mundo era em preto e branco, e ela tinha certeza que jamais encontraria as cores que via na sua mente.

Ela não era boa o suficiente para uma vida extraordinária e ela sabia que todos concordavam com ela. Ela empilhava livros e mais livros na mesinha de cabeceira, tentando encontrar nas páginas escritas todas as histórias que gostaria de viver, mas ela mesma morria de medo da página em branco e da caneta na mão.

história

Com o tempo, ela percebeu que o preto da sua visão ficava mais preto, o contraste aumentava, e mesmo que ela tivesse experiências legais, que outras pessoas adorariam ter, ela sentia o cerco fechar ao redor dos olhos, e o escuro turvava absolutamente tudo o que ela via, até que ela não enxergava mais nada.

Cada dia que passava, ela sentia mais medo da escuridão, mas também certo conforto. Afinal, no meio do preto denso, ela não se surpreendia, ela sabia o que havia ali – ou melhor, o que não havia – e ela acabou acostumada com a sensação de susto constante.

O escuro definiu a vida da menina. E ela continuou assim. Dormindo acordada, sem ver nada, achando até mesmo que acabar com aquilo que ela chamava de ‘vida’ fosse uma solução melhor para dar um fim completo ao sofrimento. Ah, sim, porque o nome do escuro era esse. Sofrimento.

Um dia, abraçada pelo manto preto, a menina viu um pontinho branco, lá no fundo, bem longe. Era impossível não percebê-lo de tanto que destoava do pretume. À primeira vista, ela sentiu muito medo, um frio na barriga, o coração disparado, as mãos trêmulas. ‘O que está acontecendo? Eu não entendo! Quem é esse intruso no meu casulo seguro?’, pensou.

Dia sim, dia não, o pontinho aumentava de tamanho e a menina corria no mesmo lugar, pensando em fugir. Tentava olhar para o outro lado, se afastar, mas o pontinho seguia a sua visão para onde que virasse, onde quer que fosse.

Mais um dia passou e ela percebeu que o crescimento da luz veio acompanhado por um calor incômodo no peito. Um quentinho desconhecido, que ela nunca tinha sentido antes, mas que ela percebeu que era bem gostoso.

E o pontinho crescia. E o calor também.

Certa vez ela acordou de manhã e viu que o buraco no preto era tão grande quanto o calor no seu peito, e ela começou a ver que de preto não havia nada na vida. Era tudo tecnicolor, neon, brilhante.

Ela arregalou os olhos na frente do espelho e viu um verde tão verde que ela tinha certeza que havia uma floresta inteira ali dentro. Ela olhou para si – pela primeira vez – e se viu tão linda que chorou. Chorou tanto que sentiu vontade de gritar, para espalhar o quentinho que sentia no peito e que agora ela percebia que era um incêndio de sentimento bom.

Na mente, ela percebeu que as suas fantasias fantásticas deram lugar para uma admiração enorme pelas cores e pelo calor. E o preto foi diminuindo.

Ele diminuiu tanto que agora é só um ponto cego em um canto bem escondido dos seus olhos. Quase impossível de ver, mas que vez ou outra ainda se faz presente. Mas o que importa é que a luz é bem maior agora. E ela faz com que a menina se sinta abraçada em todos os momentos de todos os dias. Faz com que ela se sinta amada. E faz com ela sinta o amor. Um amor tão grande, tão completo, tão puro. Que é impossível ela não continuar chorando de emoção.

Ela aprendeu a manter o calor em si para sempre e as cores mais vivas passaram a fazer parte da rotina. Até nas atividades mais maçantes. Até as contas a pagar deixaram de ser cinzas. Até o tombo no meio da rua em um dia de chuva virou motivo de riso. A menina tinha aprendido, finalmente, a viver.

A menina sou eu.

Compartilhe!
Escrito pelaMaki
Deixe seu Comentário!


Warning: Undefined property: stdClass::$comments in /home1/desan476/public_html/wp-content/themes/plicplac/functions.php on line 219
8 Comentários
  1. Bê  em outubro 20, 2019

    Oi Maki! Primeiro comentário meu. Estou lendo da última página até chegar na página mais atual. Poderíamos chamar de maratonar o desancorando. Rs. E, tive de comentar o quanto este artigo me emocionou. Acompanhar a sua jornada, sabendo dos altos e baixos pelos quais você passou, e ver que você chegou aqui vendo as cores ao seu redor, permitindo que elas fizessem parte da sua vida, é muito inspirador. Parabéns!

    • Maki  em outubro 26, 2019

      Bê, muito obrigada por isso. de coração. às vezes a gente vê as pessoas num lugar sem saber como elas chegaram lá, e eu fico muito feliz de saber que o blog é um registro vivo dessa minha mudança – e que você pode compartilhar disso comigo! é muito feliz mesmo <3

  2. Re Vitrola  em agosto 30, 2015

    Oi Maki! Que texto lindo e emocionante. E fiquei ainda mais feliz de saber, no final, que essa menina é você. Que os seus dias sejam cada vez mais cercados de cores que te fazem sentir abraçada e menos “buraquinhos” ♥

    Um beijo,
    Re

    • Maki  em agosto 31, 2015

      Oi, Re!
      Ai, que lindo o seu comentário! Muito obrigada mesmo e te garanto que vejo cada vez menos desses ‘buraquinhos’!
      Beijos!

  3. maritrindade  em agosto 28, 2015

    Oi maki, tudo bem?
    faz um tempão que acompanho seu blog já, que acabei encontrando através de um comentário seu no chez noelle. sou muito sua fã, sério, leio todos os seus posts e adoro tudo o que você escreve. me identifiquei muito com esse texto, ultimamente estou meio assim, enxergando tudo meio preto. percebi que, em meio a um periodo que passei cheio de preocupações e coisas ruins acontecendo, fiquei sem saber como aproveitar a vida, como ser leve e feliz como era antes, agora é só medo e angustia, que me distrio através dos livros.
    estou indo a psicologa e espero muito melhorar… se puder me dar umas dicas, de amiga pra amiga, fico muito grata!
    parabéns pela sua melhora!!
    adoro muito você!

    • Maki  em agosto 28, 2015

      Oi, Mari!
      Meu Deus, que alegria ler esse comentário! Fiquei muito feliz que você acompanha o blog tão de pertinho!
      E ó, a recuperação é um processo, leva tempo e é preciso ter paciência. Mas, acima de tudo, é uma escolha! Se você quer mesmo melhorar, já é meio caminho andado. Algumas coisas que me ajudaram muito: passar mais tempo perto de pessoas e influências positivas, ler/ver/ouvir livro/filmes/músicas inspiradoras e de empoderamento, apoio de amigos próximos… Faça coisas que você goste e, acima de tudo, não se cobre demais! A melhora vem com o tempo!

      Beijos!

  4. jo coeli  em agosto 28, 2015

    Nossa Maki, caiu um cisco aqui.Me emocionei com este texto.Encontrar uma luz no meio da escuridão e sair para a vida é isso:)Bjs.

    • Maki  em agosto 28, 2015

      Oi, Jo! Que bom que você gostou, fico muito feliz. E é isso mesmo! <3