Diário #47 – Eu não sou invejosa (ou sou?)

Eu gosto de pensar que não sou pessoa invejosa. Credo, longe de mim ter esse monstro horrível morando no meu coração e desejar aquilo que os outros conquistaram com tanto trabalho duro (ou não, nunca se sabe).

Quer dizer, eu acho que eu sou tão capaz quanto a próxima pessoa, mas tem gente que passou duas vezes na fila da sorte. Eu? Vixi, Deus me mandou passar reto e não olhar pra trás nessa hora.

Inveja? Não, nunca senti. Mas, claro, não sou hipócrita. Já quis o que os outros têm. Mas não é inveja, não, viu? É só um… Só um desejo forte de ter também. Nunca de tirar do outro, isso jamais! Cada um tem o que merce, né? Mas seria legal se eu tivesse aquele trabalho também.

Puxa, ouvi outro dia que uma amiga que tava desempregada há um tempão finalmente conseguiu um emprego. Fiquei tão feliz por ela, ela merece… Mas, caramba!, bem que eu podia conseguir um emprego novo também, né? Pô, universo, não custa nada, ajuda aí. Um salário melhor não faz mal a ninguém. Sei que ela tá ganhando bem lá na empresa dela e eu queria isso também.

Inveja? Imagina! Tô super feliz por ela. Tenho certeza que agora ela está feliz também. De trabalho novo, ganhando bem, morando sozinha, com um namorado gato. Tem tudo, essa aí. Aliás, quando é que o meu cara dos sonhos vai aparecer, hein? Tá na hora já. 28 anos nas costas e nenhum relacionamento longo pra contar história. Assim fica difícil.

Ela me disse outro dia que vai aproveitar o trabalho, ou melhor, o salário, novo pra passar o próximo feriado prolongado com o namorado em Buenos Aires. Aí sim, hein? Quem pode, pode. Eu vou ficar por aqui mesmo, não tenho cacife pra essas coisas, não.

Olha só, você jura? Ela? Triste? Mas por quê? Tá aí com um trabalho incrível, dinheiro na conta, um namorado carinhoso… Tem gente que só sabe reclamar de boca cheia mesmo. Não dá valor ao que tem.

É triste isso, sabe? Tem tanta gente que daria tudo pra estar no lugar dela. Eu mesma! Se estivesse nessa posição estaria sorrindo de orelha à orelha. Mas não é inveja, viu? É só um comentário.

Mas, sabe… Olhando por esse lado, até que você tem razão. A gente nunca sabe o que tá passando na cabeça dos outros, né? Eu quero o que ela tem, mas ela pode querer o que outra pessoa têm e aí o ciclo é infinito.

Conflito? Como assim inveja é querer o conflito? Não tem sentido nenhum isso! Ah, não, pera. Entendi. Se a outra pessoa, no caso, essa minha amiga, não está em paz com tudo o que ela tem, e ela tem a sensação de que precisa sempre de mais, que tem sempre alguma coisa faltando, então o que eu quero, de verdade, é sentir isso também?

Ah, mas isso é exagero, né? Não é assim que as coisas funcionam. Eu sei que já falei que os nossos pensamentos influenciam o universo e coisa e tal e que somos todos um e blá, blá, blá, mas nesse caso específico acho que essa regra não se aplica, né? Isso é diferente.

Não? Como assim, não? Se eu quero o que ela tem? Quero! Pera… De verdade mesmo? Deixa eu pensar… Hum. Não sei. Eu não sei nada – e nem quero saber! – de economia, taxa SELIC, balança comercial, IGP, IGMI, INPC e essas siglas bizarras todas. E o namorado dela curte pagode, né? Argh, só de pensar me dá arrepios. E é baixinho também. Não, obrigada. É, ela ganha bem mesmo, mas trabalha todo final de semana e nunca sai no horário. Soube que ela perdeu a festa de aniversário da mãe por causa disso e deu o maior bafafá na família. Foi tiro, porrada e bomba. Hum, acho que não quero isso não.

Pensando assim, faz sentido ela não estar feliz, né? Ela sonhava em ser fotógrafa, morar fora, ver o mundo. E não ficar presa num escritório 7 dias da semana. É, os pais dela fazem muita pressão pra ela casar logo. Deus, me livre! Não quero casar, não. Dá muito trabalho.

É, você tem razão. Eu não sei de nada. Eu não sei o que é melhor pra ela, e dá pra ver que ela está sempre em conflito, sempre tentando se controlar, se limitar pra se adaptar à situação. E, se ela está assim, e sentir inveja dela é querer sentir esse conflito também, então, eu prefiro abrir mão desses meus quereres fúteis, dessa minha vontade de ser melhor que os outros, e de me diminuir, né?

Porque se eu acho que o que ela tem é melhor do que o que eu tenho, o que eu tenho é pior, logo eu sou pior do que ela. Ai, credo, que coisa horrível de se pensar! Não quero isso pra mim! E é certeza que ela também pensa assim…

Poxa, acho que vale mais a pena eu me esforçar pra sair dessa ideia, né? De achar que as pessoas são melhores do que eu, e que eu quero as coisas que elas têm. Na real, eu nem acho que quero mesmo. Se quisesse tava aí correndo atrás e não reclamando. Não estaria usando essa situação pra falar mal de mim. Ou estaria, né? Você acabou de me provar que eu não sei de nada e que ela, que tem tudo, usa isso pra se desgostar também… Se todo mundo faz isso, é melhor alguém aprender a sair do ciclo e ensinar pros outros, né? Quem sabe, assim, a gente tem mais chances de ser feliz.

Eu não sou invejosa, não. Quer dizer, eu dizia que não era, mas era. Eu mentia. Como todo mundo. Mas eu não quero mentir mais. Me ensina? Me ensina a agradecer pelo o que eu tenho e saber receber ao invés de ficar pedindo? Deus não é gênio da lâmpada, né? Falando isso, já vou começar agora. Obrigada. E amém.