cotidiano

pilha de coisas

tem uma pilha de coisas na escrivaninha. todo dia de manhã, eu passo a pilha inteira pra cima da cama, quando começo a trabalhar. no fim do dia, o movimento é inverso. eu libero a cama e coloco as (duas) pilhas de volta na escrivaninha.

é quase uma coreografia. tira o chinelo pra pisar no tapete, arruma a cama, abre a janela, passa a pilha de lá pra cá, pega a xícara de chá na cozinha, senta na mesa, respira fundo. digita digita digita.

outro dia, percebi que eu não tenho ideia mais do que tem nessas pilhas de coisas. tem uma revista que eu ainda não li. tem alguns papéis que eu não sei muito bem o que dizem. algumas ilustrações que eu prometi a mim mesma que ia pendurar na parede no começo do ano (e até agora nada). algumas correspondências do banco que eu nunca abri (e nem pretendo). cartões de visitas, talvez. um ou outro boleto pago pela internet. um ou outro comprovante de compra. uma ou outra nota fiscal que eu tirei da bolsa e coloquei ali, despretensiosamente, pra jogar fora depois.

a pilha aumentou com alguns livros que eu comprei e coloquei na fila mental para ler. o meu kindle, que vai e volta com essa corrente, mas eventualmente encontra um espaço também na minha mesinha de cabeceira, quando eu decido que é hora de ler alguma coisa de verdade.

essa pilha de coisas me incomoda. mas, mesmo nos meus dias livres, eu deixo ela ali, intocada. penso no que vai acontecer quando eu receber visitas em casa e tiver que soltar um ‘desculpa a bagunça‘, porque aquele monte de coisas desconhecidas continua ali, me perseguindo dia sim, dia também. porém, até com essa perspectiva a pilha continua ali. eu não arrumo.

a pilha de coisas, por mais real que seja, também pode ser vista como uma metáfora. pro quanto a gente se acostuma com coisas que não fazem bem, sabe? aquela pilha não me faz bem. ela me incomoda. eu fico frustrada quando olho pra ela. tem horas que eu não sei porque ainda não joguei tudo aquilo direto no lixo. outras eu me pergunto ‘meu Deus, mas qual a dificuldade de arrumar essa bagunça?’. mas ela segue ali. me espiando. me julgando com os olhos cerrados e os papeis comidos pelo tempo. juntando pó e rancor. é o tal do estresse mental que a gente acha que é besteira até perceber como dá um alívio no coração arrumar o armário e deixar tudo bonitinho, no devido lugar.

ainda não me propus a encontrar essa paz no coração com a minha pilha de coisas em cima da escrivaninha.

a gente se acostuma com o desconforto e solta um ‘ah, não é tão ruim assim‘ pra uma situação que é, de fato, ruim. porque a gente acha que merece, sabe? tudo bem eu ter o esforço de mover um monte de coisas de um lado pro outro t o d o s  o s  d i a s. tudo bem eu ficar com a sensação de que os meus dias tão uma corrida maluca e eu não tenho tempo nem de ir na farmácia comprar desodorante e soltar um ‘ah, não!‘ na hora de me vestir (pode ou não ter acontecido essa semana). tudo bem eu não colocar as prateleiras no quarto e não ter onde guardar meus livros direito. no fundo, eu acho que mereço esses pequenos incômodos do dia a dia.

imagina, que loucura, passar o dia inteiro confortável e tranquila, sem estresse e com o desodorante novinho em cima da penteadeira, pronto pra ser usado a qualquer momento. longe de mim querer esse nível de conforto (*insira o seu melhor virar de olhos aqui*).

é, a gente tá acostumada com o desconforto. com o que é ‘chato’. com os pequenos incômodos. com o acúmulo de coisas que a gente não precisa mais e que ficam acumulando desgosto num canto escuro do quarto. mas, ainda assim, a gente não se propõe a mudar.

até que um dia a gente solta um sonoro CHEGA! e muda tudo de lugar. arruma tudo. junta um saco de lixo cheio de papel pra colocar pra reciclar. tira as roupas velhas do armário. pendura as ilustrações na parede. coloca os pisca-piscas na cabeceira da cama. joga fora todas as maquiagens vencidas.

mas até lá… fica na dança do vai e volta com a pilha de papéis. da escrivaninha pra cama. da cama pra escrivaninha. e vai. e volta. e vai. e volta. até cansar. até que o ‘chega!’ vem lá do fundo do nosso coração. e a gente acha que não vale mais viver nessa bagunça e com esses desconfortos todos.

tem hora que a mudança é pra valer. e a gente se compromete a deixar tudo no devido lugar. a fazer do quarto um lugar de descanso, todo bonitinho, todo arrumadinho. todo inho. tem vezes que a gente cai nos mesmos hábitos e três meses depois a pilha tá lá, assombrando a gente de novo.

até que a gente aceite que merece uma vida confortável, que merece ficar sem esses incômodos mentais. que merece não se preocupar com a pilha de coisas na escrivaninha e as cartas do banco que você nunca vai abrir. e, quando percebe, a pilha nem existe mais, porque o que sumiu da sua vida não os papeis que se acumulam, mas essa pulguinha no fundo da sua mente que fica te dando uma coceirinha que você não sabe como se livrar.

ô, pulguinha. sai daí, eu tenho coisas mais importantes pra fazer do que ficar preocupada (e pré-ocupada) com uma pilha de papeis que eu nem sei mais pra quê servem.

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Escrito pelaMaki
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14 Comentários
  1. Manu  em fevereiro 27, 2018

    A Maki é igualzinha a mim, ou eu sou igualzinha a Maki 🤔…eba não estou sozinha nessa, me sinto tão leve agora. Tudo faz sentido, descobri então que existem ” certas pessoas e outros tipos de pessoas” e nós escolhemos ser as Pessoas Felizes no meio da nossa mega ” organização desorganizada” : Já imaginou ter tudinho organizado sempre? Pra mim isso gera uma tristeza sabe, igual deixar criança fazer aquela bagunça boa dentro de casa, tem mães que ficam horrorizadas e Eu fico tão, mais tão feliz, ao ponto de achar que estou educando certo!! Viva nossos montinhos de papéis pra lá e pra cá ! Bjs enormes!

  2. Renata  em dezembro 20, 2017

    Como me identifiquei nesse texto…
    Muitas vezes não é a pilha em cima da escrivaninha, mas a pilha de coisas mental que precisa organizar, mas o ânimo e a coragem não vem, e percebo isso pelas coisas físicas que vou deixando acumular e nunca organizo.
    Às vezes me pergunto por que deixo isso acontecer, mas sei lá… é tão automático, e quando vê, a bagunça já virou rotina.
    Obrigada por nos fazer pensar!

    Beijos
    https://lovelyplacee.blogspot.com.br/

    • Maki  em dezembro 29, 2017

      Renata, o exercício é, justamente, olhar para essa bagunça mental e tirar dali o que não serve mais ♥

  3. Carol Mancini  em dezembro 11, 2017

    Nossa, é a história da minha vida… Eu vivo acumulando coisas para limpar depois. Semana passada fiz igual: juntei tudo e joguei fora. Preciso fazer isso mais vezes. Obrigada por esse texto (ou desabafo), eu estava precisando até para entender que eu não estou sozinha nessa procrastinação de atividades (que são isso mesmo, uma metáfora)

    • Maki  em dezembro 11, 2017

      mas não tá sozinha meeesmo. a minha tem dia e hora pra sumir ahahahah, depois é manter o alinhamento (na mesa e no coração) pra não acumular um monte de coisa de novo.

  4. ray  em dezembro 07, 2017

    eu fico boba com como sempre que eu abro o desancorando e leio um texto tão simples fico leve rapidinho, tudo por aqui me inspira e/ou bate bem forte na minha cara pra me fazer acordar. sempre que to prestes a perder o amor pela blogosfera basta vir aqui pra ela me reconquistar

    • Maki  em dezembro 09, 2017

      aaaaaaaaaaaaaaaaaaaa Ray, que comentário mais LINDO! ♥ brigada por isso, mesmo!

  5. Rosária Silva  em dezembro 07, 2017

    Meus Deus Maki, como me identifiquei tanto com o que escreveste! Também sou “proprietária” de uma pilha de papéis na minha secretária. Mas o “chega!!!!” já tem data agendada! A seguir ao Natal vou tirar uma semana de férias e será a altura perfeita para colocar tudo em ordem… antes do novo ano chegar. Escritório arrumado, cabeça arrumada!
    Beijos 🙂

    • Maki  em dezembro 09, 2017

      boa, Rosária ♥ tenho certeza que vai ser um processo muito libertador! (a minha arrumação também tem data marcada já ahahaha ♥)

  6. Ni  em dezembro 05, 2017

    Coisas físicas que agente nem percebe que vão embora, igual CDs ou Vinis que eu nem uso mais. Ainda tenho alguns, pra fazer bagunça mesmo.
    Eu pensei, com seu blog, em quantos livros eu li esse ano. Foram 5 e talvez eu fecho o ano com 6. É uma boa média pra mim. E a pulguinha vêm de novo querendo aumentar a meta. Sai pulguinha.

  7. Ana Bonfim  em dezembro 05, 2017

    Que texto Maki, que texto! Como sempre tocando no fundo do coraçãozinho e dando um leve tapa na cara. Obrigada <3

    • Maki  em dezembro 06, 2017

      ahhh, Ana ♥

  8. Diego Bonadiman  em dezembro 04, 2017

    É bem louco isso da gente deixar pra depois a responsabilidade de consertar coisas que a gente sabe que não fazem bem. A gente fica vivendo com isso enquanto poderia estar tendo uma vida muito mais plena sem esses pequenos empecilhos.

    Escrevi há um tempo atrás um texto tratando desse assunto, focando nesse aspecto da procrastinação.
    https://insanidadeartificial.wordpress.com/2017/03/24/caixa-de-alfinetes-tetris-e-procrastinacao/

    Amei a postagem. Tenha uma ótima semana.
    Beijo grande! 😀

    • Maki  em dezembro 06, 2017

      num é, menino? coisa doida isso.a gente pode resolver um monte de coisa e fica adiando, achando que merece viver de bagunça