cotidiano

eu sempre tive uma vontade louca de ficar sozinha. no fundo, acho que eu sabia bem que a vontade de me isolar era uma escolha minha, e o que eu fazia simplesmente era colocar na prática o que eu já queria – mas achava que não. era mais fácil criar artimanhas loucas pra ficar sozinha em casa no fim de semana e culpar o mundo do que me abrir para ver o que estava acontecendo lá fora.

diário #78 - a solidão é um sonho

Foto: Luisa Chequer Fotografia

da porta de casa em diante, o mundo parecia sempre uma grande incógnita. o tipo de coisa que eu não conseguia – nem podia – controlar… uma ameaça que me tornava menor do que eu já me sentia. era melhor continuar no conforto do meu quarto mesmo, cercada pelas paredes brancas e a meia luz vinda da janela velha. no fim das contas, tudo o que eu fiz foi dar um nome e uma decoração diferente pra prisão.

o mundo sempre me pareceu grande demais, ameaçador demais, violento demais, hostil demais. no meio de tanta raiva e rancor, como eu poderia sobreviver? muitas vezes, achei melhor que isso não acontecesse mesmo. antes morrer do que viver uma vida pela metade, eu cheguei a pensar.

e aí, num dia qualquer, eu comecei a entender que a solidão é um sonho tão vívido quanto qualquer outro. a gente só acredita demais que ele é real, que ele tem sentido. é como quando os seus olhos pregam peças e você tem certeza que deixou a chave em cima da mesa de cabeceira, quando na verdade elas nunca saíram de dentro da bolsa. ou quando você olha de relance e toma um susto porque acha que o retrovisor do amiguinho vai passar a um dedo da sua mão – mas na verdade ele está a mais de meio metro de distância.

a solidão é tão real quanto qualquer engano da visão. o que significa que ela não existe. ‘mas você só pode estar louca, eu me sinto sozinha o tempo inteiro!‘. sentir-se sozinha não significa que você está, de fato. é a velha história de aprender a querer ver. quem quer se sentir sozinha, consegue. quem não quer, consegue também.

a gente insiste em acreditar também que somos todos separados uns dos outros, que existe uma divisão que diz que quando eu termino você começa, mas essa é só mais uma dessas ilusões que a gente acha que é real. é um sonho, nem ruim nem bom, só um sonho. e se olharmos direito vamos encontrar, na mente, aquele lugar que diz que estamos todos juntos, e que nunca saímos do quentinho do amor.

acreditar na solidão é como acreditar no Papai Noel. a gente vê o tio fantasiado na festa de Natal da família, senta no colo dele quando é pequena e pede por um presente. mas uma hora ou outra a gente aprende, até meio que por acidente, que ele simplesmente não existe, e que a gente passou muito tempo acreditando numa coisa que não é real.

a diferença é que ao invés de chorar e espernear, achando que o mundo acabou e que as renas vão ficar sem trabalho no fim do ano, o ideal é comemorar. é sorrir e celebrar que, no fim das contas, a gente só viajou um pouquinho acreditando num monte de abobrinha que não tem sentido. daí a gente entende que esteve sempre junto e que essa bobagem da minha mão estar separada da sua é só isso: uma história pra criança dormir.

mas imagina só, que legal, se a gente decidisse acordar?

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Escrito pelaMaki
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6 Comentários
  1. Hellen  em dezembro 26, 2016

    JÁ TIVE MAIS MEDO DA SOLIDÃO, HOJE APRENDI COMO ELA PODE SER UM BALSAMO NA VIDA QUE LEVAMOS HOJE. ACHO QUE A SOCIEDADE NOS OBRIGA A VIVER O TEMPO TODO EM COLETIVIDADE QUE NOS ESQUECEMOS COMO É BOM VIVER COM NÓS MESMOS.

    • Maki  em dezembro 26, 2016

      na verdade, eu acho mais otimizado ainda a gente lembrar que a solidão simplesmente não existe. é uma coisa de mentalidade mesmo. se a gente lembra que é sempre possível estar com quem a gente ama (na mente) e lembrar que nunca estamos sozinhos, ela dissolve. porque, por mais que a gente aprenda a viver sozinho e aproveitar a própria companhia, ninguém gosta solidão, né?

  2. Erika/SP  em dezembro 09, 2016

    Incrível como um simples texto pode representar tanto o que muitas pessoas passam….estou numa fase “me curtindo mais”, preferindo estar no meu canto, sem ninguém enchendo o saco, ditando as “regras”…. às vezes é bom curtir essa “solidão”, pra aprender a nos conhecer melhor! Aprendi isso depois dos 30….agora digo que estou numa fase muito mais pra frente do que quando tinha meus 20 e tantos…. 🙂 Beijocas e bom finde pra vc!!! 😉

    • Maki  em dezembro 11, 2016

      que bom, Erika! fico feliz em saber disso!

  3. Ana Lira  em dezembro 06, 2016

    Pessoa,

    sua sensibilidade me toca.
    Obrigada por existir.

    • Maki  em dezembro 07, 2016

      obrigada você, Ana! ♥