cotidiano

Eu não tenho muitas lembranças. Sempre achei estranho a minha memória ser ruim, a ponto de eu não lembrar muita coisa do que eu vivi quando era pequena, por exemplo, mas decorar em tempo recorde a letra de uma música de anime. Não tenho memórias da minha infância – apenas algumas coisas pontuais – e costumo ser muito, muito, ruim em lembrar de coisas que aconteceram no passado.

Diário #73 - A história que eu contei pra mim

No fundo, eu até achava isso bom, porque viver no passado é o tipo de coisa que eu considero uma morte horrível. Qual a vantagem de achar que uma época que já passou ‘foi a melhor da sua vida’ e porque diabos eu ia querer ficar naquele ponto do espaço tempo se ainda existe tanta coisa pra fazer?

Isso é mentira, claro. Eu passei a vida inteira presa no passado, em histórias que contei pra mim mesma. Lembro que um dia eu ouvi que ‘não era inteligente, mas era esforçada’. Pronto, tomei essa mentirinha como verdade e desde então, não teve um momento que eu acreditei de verdade, que era inteligente. Mas eu era esforçada, pelo menos.

Outra historinha que eu contei pra mim é que eu não conseguia. Qualquer coisa. Não importa o que fosse. Eu simplesmente não conseguia. Eu não tinha capacidade de fazer coisas que fossem legais ou que me levassem a fazer várias outras coisas legais em seguida. Mentira, claro. Eu fiz muitas coisas. Inclusive, escolher não fazer coisas foi outra coisa que eu fiz. Confuso, porém, verdade.

Sabe essa coisa da gente, às vezes, aumentar uma história só pra ela parecer mais legal? Agora imagina você fazer isso com uma vida inteira. É meio isso que a gente faz. A gente pega uma coisinha e aumenta em proporções descomunais na nossa cabeça e leva isso tudo como verdade no futuro.

Eu já acreditei em muitas histórias que eu contei pra mim mesma. Já comentei que a minha imaginação tem quase que uma vida própria. Seria engraçado se não fosse assustador: quando a cabeça não para de inventar coisas que não estão acontecendo e você acha mais legal ficar imaginando um milhão de situações diferentes do que prestar atenção em volta.

Já diz Ferris Bueller que ‘a vida é muito rápida, se você não parar para olhar ao redor de vez em quando, você pode perdê-la’. A gente perde a vida o tempo inteiro prestando atenção nesse monte de história que a gente inventa, levando o passado na manga da camisa, sempre à mão para quando a gente precisar. ‘Toma aqui um pouco disso que eu acho que vivi, só pra provar que era verdade’.

De fato, eu não tenho muitas memórias, mas levo comigo um monte de passado. Ele pesa nos meus ombros e me lembra o tempo todo o tanto de coisas que eu jurei acreditar até o dia que eu morrer. A vida é assim, não é? A gente junta um monte de coisas e leva com a gente numa mala que fica cada vez mais pesada. E no meio do caminho esquece o porquê da gente ter vindo pra cá em primeiro lugar.

Pode parecer fácil, mas parar de contar historinhas em que a gente acredita é muito mais difícil do que se imagina. A gente acredita muito nas coisas que fala, pensa, inventa, imagina. Toma tudo como verdade e acha que o nosso lugar é mesmo essa caixinha minúscula que a gente criou.

Quando você acredita num monte de historinhas, dá medo de sair da caixinha. Ali é confortável, ? Mas uma hora outra a gente vai ter que olhar pra fora e ver que o véu que a gente tá usando foi a gente que costurou. No fim das contas, tirar o véu é a parte mais fácil. Difícil mesmo é querer ver sem ele no caminho.

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Escrito pelaMaki
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6 Comentários
  1. Erika/SP  em outubro 18, 2016

    Oi Maki! Lendo seu texto, penso que vale a pena arriscar e sair da zona de conforto, a vida é curta e imprevisível, então vamos aproveitar cada minuto dela não é!? As coisas ruins acontecem, mas através delas vamos aprendendo a lidar e a viver melhor. Amei ler seu texto logo de manhã, pensei, pensei e voltei aqui pra comentar. Beijos com carinho e força sempre nos momentos difíceis! A vida é maravilhosa, basta vê-la de outra maneira, simplificando sempre! 🙂 Boa semana!

    • Maki  em outubro 18, 2016

      é isso, mesmo Erika! a gente precisa só ver as coisas por um lado diferente e tudo se ajeita! boa semana pra você também!

  2. Ana Bonfim  em outubro 18, 2016

    Cada post seu é um abracinho na alma que você me dá <3

    • Maki  em outubro 18, 2016

      ahahahaha fofinha <3

  3. Jamile  em outubro 17, 2016

    Arrasou na reflexão maki!
    Tenho muito disso de não lembrar da minha infância, e por hora, acabo olhando fotos e “criando” o que deve ter acontecido.
    Obvio, é inconsciente. Pra mim, isso realmente aconteceu desse jeito, mas é gastar dez minutos de conversa sobre a situação com alguém que também estava lá, e pronto, caio na real de que essa realidade não existiu.
    É doido demais…
    Preciso muito tirar esse véu da frente!
    Beijão

    • Maki  em outubro 18, 2016

      é muito maluco, né? e a gente jura de pé junto que a coisa aconteceu de um jeito, mas na real é tudo invenção da nossa cabeça.